EXEMPLOS QUE PROVAM O EQUÍVOCO DO USO DA FRAÇÃO IDEAL PARA DIVIDIR A TAXA DE CONDOMÍNIO DOS APARTAMENTOS DE COBERTURA E TÉRREOS


Kênio de Souza Pereira

 

 

Fato pior do que não ter conhecimento, é negar-se a adquiri-lo e fechar os ouvidos a uma palavra isenta, técnica e esclarecedora. Alguns tentam, com seus limitados, criativos e frágeis argumentos e até aos gritos, impor sua vontade e penalizar ou levar vantagem sobre seu vizinho que ocupa uma moradia melhor ou maior.  A discussão sobre o rateio da taxa de condomínio com base na fração ideal, quando o edifício possui unidades de tamanhos diferentes chega, às vezes, a ser cômica, como poderá conferir nos vários exemplos abaixo relatados.

 

Há uma minoria, movida por sentimentos inconfessáveis ou incomodada com o próximo que tem um imóvel maior, que levanta uma “bandeira de luta” para ignorar que a fração ideal foi criada após a Lei nº 4.591/64 para regular o “Condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias”, sendo esta destinada a divisão das despesas de construção quando o edifício é vendido na planta.

 

O construtor, ao promover a incorporação, é obrigado a fazer uma convenção onde insere o rateio de despesas de construção pela fração ideal, o qual é previsto no artigo 12 da Lei de Incorporação, no capítulo II – “Das despesas do Condomínio” no local onde trata ainda da concepção do prédio que ainda será construído. Erroneamente, essa regra é mantida após o edifício ser concluído, sendo comum ninguém analisar a convenção no momento da compra, pois se limita a verificar outros aspectos como o preço, a forma de pagamento e a posse.

 

CRONOLOGIA DOS ARTIGOS EVIDENCIA DIFERENCIAÇÃO DE RATEIO

 

É evidente que o rateio de conservação e manutenção destina-se a cobrir os custos com porteiros, faxina, luz de áreas comuns e não tem qualquer relação com o tamanho de cada unidade, pois a taxa de condomínio está prevista no Capítulo VII (Da Assembleia Geral) no artigo 24, após o Capítulo IV (Do Seguro, do Incêndio, da Demolição e da Reconstrução Obrigatória), Capítulo V (Utilização da Edificação ou do Conjunto de Edificações), Capítulo VI (Da Administração do Condomínio). Portanto, o artigo 24 está localizado somente após 4 Capítulos que tratam do edifício já complemente construído, não havendo mais nada a ser pago pela fração ideal para custear a obra, de acordo com o tamanho da unidade. Somente a partir daí é que o legislador passou a tratar de outras despesas que não têm qualquer relação com a aquisição da propriedade.

 

Assim, após vários artigos que regulamentam o uso da edificação e a administração, do prédio já em pleno funcionamento, em decorrência de uma cronologia lógica surge o artigo 24 para estabelecer que a assembleia geral anual para “aprovar, por maioria dos presentes, as verbas para as despesas de condomínio, compreendendo as de conservação e manutenção da edificação ou conjunto de edificações, manutenção de seus serviços e correlatas”.

 

                        Portanto, a Lei nº 4.591/64 é clara quanto a separação das despesas de construção que são rateadas pela fração ideal, pois estas têm ligação com a aquisição patrimonial, das despesas de conservação e manutenção das áreas comuns e dos serviços (porteiros, zelador, faxineiros) que obviamente são executados nas áreas comuns (portaria, escadas, área de lazer, garagem) e prestados igualmente para todos os coproprietários, independentemente do tamanho das unidades.

 

DECISÃO DO TJMG SOBRE RATEIO ENTRE APARTAMENTOS

 

Há várias decisões dos Tribunais de Justiça dos Estados, e após 18 anos defendendo a tese que criei, que combate o uso abusivo da fração ideal, em maio deste ano obtive a anulação deste critério pelo TJMG, tendo o Superior Tribunal de Justiça não conhecido o Recurso Especial impetrado pelo condomínio, pois este não conseguiu atacar a alegação de que a cobrar a  mais do apartamento maior acarreta o enriquecimento ilícito dos proprietários das unidade menores. Assim o apartamento maior deixou de pagar 131% a mais de taxa e o condomínio foi condenado a devolver ao proprietário tudo que recebeu a mais desde 2003, corrigido pelo INPC do IBGE. No acórdão proferido pelo TJMG, os Desembargadores da 16ª Câmara Cível do TJMG alertaram que o fato dos apartamentos menores serem a maioria, a união destes para impor na convenção a cobrança pela fração ideal já que a lei determina o quorum de 2/3 do condomínio para alterar a convenção, permite que o condomínio prejudicado requeira ao Poder Judiciário que intervenha para igualar a cobrança das taxas condominiais.

 

Diante disso, no recente julgamento do Recurso Especial nº 1.104.352-MG (2008/0256572-9), no qual atuei como advogado do proprietário do apartamento com uma fração 131% maior que os apartamentos tipo, o STJ indeferiu o recurso e assim ficou mantido o entendimento do TJMG, tendo o condomínio que devolver os 131% que cobrou a mais ao proprietário, devidamente corrigido pelo INPC do IBGE, desde maio de 2003.

 

Diante da evolução do entendimento da real finalidade da fração ideal que veio a ser incorporada no ordenamento jurídico justamente na Lei de Incorporação, para dividir despesas de construção, ficou evidente o direito do proprietário do apartamento de cobertura/térreo requerer a anulação do critério de rateio pela fração ideal, para evitar que esta unidade continue sendo desvalorizada para venda e locação.

 

PERÓLAS

 

Para justificar a cobrança da taxa pela fração ideal, tenho ouvido estranhos argumentos: “O dono da cobertura deve pagar mais porque tem direito ao sol em maior intensidade”. É, parece que o sol não nasce para todos! Em determinada ocasião, ao perguntar para um síndico porque a cobertura deveria pagar mais 70% a mais que o apartamento-tipo para trocar a porta de vidro da portaria que quebrou ou para recarrega anual dos extintores, fui surpreendido com a seguinte explicação: “no caso da cobertura, a porta protege um patrimônio maior em caso de assalto; e no incêndio, o extintor irá apagar uma área maior da cobertura que vale mais”. Realmente, naquele edifício deve ocorrer assalto e incêndio todos os meses!

                        Não são raras as situações que o argumento é “Eu moro num apartamento pior, então a cobertura deve pagar mais”. Parece imposição de distribuição de renda (viva o Bolsa Família!) e a taxa se transformou em IPTU ou ITBI que são impostos, ou seja, bem diferentes de taxa que visa cobrir um custo de uma contraprestação ou serviço prestado. Outro defende o rateio pela fração ideal afirmando: “O dono da cobertura ganha mais de que os moradores do apto tipo”. Assim constatamos que este confunde a taxa com Imposto de Renda.

Pelo seu raciocínio estranho, o dono da cobertura ou de um Chevrolet Cruze tem que pagar mais que o motorista de um Fiat Palio, ao colocar gasolina num posto ou trocar o óleo, bem como ao estacionar e passar por um pedágio, apesar de ocuparem o mesmo espaço e provocarem o mesmo desgaste no asfalto da estrada.

Quanto ao pedágio que consiste numa cobrança pelo serviço prestado de oferecer uma pista de rolamento, ou seja, um acesso (que se compara, em tese, com a portaria e corredores de um prédio) uma pessoa me disse que o caminhão (comparando com o apartamento de cobertura) para mais que um carro ao transitar pela estrada. Outra pérola, pois um caminhão transporta várias toneladas e até doze carros na sua carroceria no caso de Cegonheira, causando um desgaste dezenas de vezes maior que um automóvel. Logicamente pelo fato do carro pesar muito menos seu desgaste no corredor automotivo é mínimo, motivo que justifica que o caminhão pague mais. Não é racional comparar a cobertura com um caminhão, como se aquela comportasse doze famílias ou gerasse um desgaste dezenas de vezes maior ao edifício.

 

QUANTO AOS EMPREGADOS – O CUSTO MAIS ELEVADO DE UM EDIFÍCIO

 

Um defensor do rateio pela fração ideal, que tem pavor de fazer contas, justificou que o apartamento de cobertura deveria pagar o dobro dos demais apartamentos tipo, para custear os porteiros (vale transporte, salários, férias, 13º salários, FGTS, cesta básica, etc), com o “precioso argumento” de que ele protege a unidade mais cara do prédio! Fantástico! Pelo visto o ladrão ao assaltar um edifício leva nas costas o apartamento e não alguns eletroeletrônicos, roupas e joias, que são encontrados em qualquer unidade, seja ela maior ou menor. Com esse argumento o defensor da fração ideal deve implantar a cobrança da taxa de condomínio também com base no valor dos automóveis estacionados na garagem, ou seja, quanto mais caro o carro, maior a cobrança das despesas com iluminação, limpeza e reparação da garagem!

 

ILÓGICA QUESTIONADA POR LEITORES

 

Tendo em vista que sou titular de colunas de Direito Imobiliário nos Jornais O Tempo, Pampulha e Hoje em Dia, em Belo Horizonte-MG, recebo rotineiramente várias perguntas e questionamentos de pessoas que defendem a divisão pela fração ideal, mas estes acabam não conseguindo  responder. Vejamos alguns:

1) “Porque ao trocar o interfone do edifício, ao comprar um computador ou móveis para portaria os proprietários das coberturas seriam obrigados a pagar 70% a mais que os apartamentos-tipo.” Nem mágico consegue explicar como os moradores da cobertura usam o interfone, um sofá ou o computador 70% a mais que os demais!

 

2) Num prédio onde a cobertura tem fração ideal 100% maior, recebi a indagação de um leitor: “Para fazer 2 novas chaves da portaria, para cada uma das 30 unidades, a cobertura teve que pagar o dobro do preço pago pelos apartamentos-tipos.” Incrível a ilógica matemática, foram feitas 60 chaves, mas pela regra da fração ideal, o condomínio cobrou o custo de quase quatro chaves da cobertura, apesar desta ter recebido apenas duas, como os apartamentos-tipo!

 

3) No meu prédio, a assembleia aprovou a troca do piso da portaria e salão de festas e fez um jardim na frente do prédio, além da compra de cadeiras e mesas. Cobraram-me 90% a mais na taxa por ser cobertura”. Seria interessante que a Assembleia lhe desse a posse e cercasse sua cota a mais de área comum (portaria, salão e jardim) e explicasse como usará a mais os móveis para justificar o motivo do proprietário da cobertura pagar 90% a mais. Porém, isto é impossível, em razão da lei (arts. 10 e 19, Lei 4591/64 e 1.335 do CC) vedar a utilização exclusiva de área comum, pois esta pertence a todos que têm livre acesso às mesmas de forma igual.

 

4) “No edifício comercial com 90 salas (cada com 30m²), 4 elevadores e porteiros 24 horas, o síndico está querendo cobrar 5 taxas de condomínio da minha loja com 150 m² que fica no térreo, que tem hidrômetro separado e não utiliza nada do prédio? Os Tribunais têm derrubado essa pretensão pois gera enriquecimento ilícito pagar por porteiros, ascensoristas, faxina e demais serviços que são prestados somente às salas, e mais absurdo pagar 5 vezes como se fosse IPTU.

 

5) “Pelo fato do apartamento de cobertura ser maior ele composta o muito mais pessoas que o apartamento tipo, então tem que pagar o dobro do valor da taxa.” Há pessoas que pensam que um apartamento maior se presta a ser um hotel ou pensão! A convenção determina que os apartamentos se limitem à moradia familiar, sendo proibido ser utilizado por várias famílias. A alegação de comportar mais pessoas não tem fundamento. É como se o segundo piso fosse utilizado para diversos quartos, além dos dormitórios normais. As pesquisas do Mercado Imobiliário comprovam que o número de moradores nas coberturas é geralmente menor que o dos apartamentos-tipo, estes ocupados por casais mais jovens e, portanto com filhos menores.

 

6) “Pelo fato da cobertura ficar num andar mais alto consome mais energia elétrica com o elevador”. Numa perícia judicial que visou eliminar o rateio pela fração ideal, o Perito Oficial, que é engenheiro, respondeu a essa indagação da seguinte forma: “A instalação do elevador decorre da Lei de Uso e Ocupação do Solo que obriga o edifício a ter este equipamento a partir do momento em que para ter acesso a uma unidade a pessoa enfrenta um aclive de mais de 11 metros de altura e não pelo fato de existir ou não um apartamento de cobertura. Caso tivesse algum sentido a afirmação de que a cobertura gera maior gasto com elevador, milhares de edifícios cobrariam a taxa de condomínio num valor maior, de acordo com a altura de cada andar, a ponto do apartamento de 1º andar pagar um valor mínimo e o térreo ser isento. Já que isso não existe, o argumento decorre de uma situação fora da realidade imobiliária, sendo inócuo”.

 

Somente quanto à água é cabível uma reflexão maior, com bom senso, pois afirmar que as coberturas possuem mais moradores é outra inverdade. Além disso, as Companhias de Saneamento, como a COPASA e demais órgãos especializados afirmam que 37% do gasto de uma família é com descarga do sanitário e 40% com lavatórios/banhos, ou seja, mais de 80% do consumo de água é com pessoas e não com limpeza de pisos ou piscina.

 

PERÍCIA CONFIRMA O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO PROVOCADO PELA FRAÇÃO IDEAL

 

Em dezenas de processos onde atuei como advogado para anular a cláusula que estipula o rateio pela fração ideal, todos os peritos, sem exceção, foram unânimes ao constatarem que os ocupantes das unidades maiores usufruem das áreas comuns e serviços disponibilizados pelo condomínio na mesma proporção dos demais moradores e ocupantes das outras unidades. Somente, pessoas mal intencionadas e que não suportam conviver com um vizinho que reside num imóvel melhor ou que tem uma condição mais privilegiada, procuram impedir que o Juiz nomeie um PERITO JUDICIAL, pois este ao apurar elementos concretos e utilizar a matemática, constará a falta de lógica da fração ideal para dividir despesas ordinárias de condomínio.

Cito como exemplo as respostas aos quesitos formulado em processo que tramita na 11ª Vara Cível de Belo Horizonte:

 

“QUESITO: No caso do Condomínio do xxxx, favor identificar quais são os equipamentos e as áreas comuns e quem as utiliza, quantificando, se possível, o uso das mesmas por cada condômino, além de identificar o processo utilizado para tal cálculo. RESPOSTA: São áreas comuns: o terreno onde se acha edificado o imóvel, compartimento de lixo, escada de incêndio, elevadores, guarita de vigilância, escadas, quadras, salão de festas, halls, corredores, portaria, banheiros masculino e feminino disponibilizados para o salão de festas, área coberta com churrasqueira, espaço gramado com pomar e jardins. As mencionadas áreas e equipamentos são compartilhados de forma equânime entre os moradores. Não é possível a mensuração de grau de utilização das mesmas por não existirem variáveis definidas.

QUESITO: Quanto ao consumo de água e energia elétrica há como afirmar que a unidade cobertura consome mais que os moradores dos apartamentos tipo? RESPOSTA: Não, já que o consumo de água varia conforme os costumes de cada pessoa. A energia elétrica das áreas comuns e elevadores serve a todos os moradores na mesma proporção, estando estes benefícios à disposição da coletividade, sem qualquer relação com o tamanho interno das unidades”.

 

Enfim, com uma boa orientação jurídica especializada o condomínio pode encontrar uma solução justa e equilibrada, e evitar um processo judicial que poderá ser proposto pelo proprietário da unidade prejudicada.

Belo Horizonte, 10 de julho de 2013.

 

Kênio de Souza Pereira

Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis

Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG

Representante em MG da ABAMI – Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário

Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do SECOVI-MG.

(31) -3225-5599 – e-mail: keniopereira@caixaimobiliaria.com.br