NOVA LEI LIMITA TRANSAÇÃO COM GARAGEM EM CONDOMÍNIO


Entrou em vigor no dia 20 de maio de 2012, a nova redação do § 1º do art. 1.331 do Código Civil (CC), inserida pela Lei 12.607/12, que inovou ao limitar a venda e locação de vagas de garagem em condomínio:

Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos.

  • 1o As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas, sobrelojas ou abrigos para veículos, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários, exceto os abrigos para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo autorização expressa na convenção de condomínio.

O novo texto em negrito visa oferecer maior segurança ao dificultar que terceiros tenham acesso ao edifício. O CC de 2002 prevê no art. 1.338 o direito do proprietário de um apartamento, sala ou loja que tivesse como acessório uma vaga de garagem, alugá-la independente de prévia autorização da administração ou da convenção.

A partir de agora, com a nova disposição legal, os proprietários de vagas de garagem que não as utilizam, somente poderão alugar ou vender as mesmas para estranhos ao condomínio, se a convenção estipular essa possibilidade, mesmo que não tenham condôminos e nem moradores interessados em ocupar a vaga.

NOVA REGRA PRIVILEGIA SEGURANÇA E PODE GERAR REDUÇÃO DO PREÇO

A nova redação do § 1º do art. 1331 do CC dificulta a venda ou a locação da vaga de garagem pelo proprietário, pois muitos interessados em vagas serão impedidos de comprá-la ou locá-la, caso não residam ou trabalhem no prédio. Com a limitação de prováveis adquirentes, haverá a diminuição da demanda e possivelmente a redução do valor da vaga de garagem.

ESTUDAR A CONVENÇÃO PREVIAMENTE

Com o crescimento da frota de automóveis, a vaga de garagem torna-se um bem cada vez mais valioso. O volume de vagas é determinante para que alguém compre ou alugue o imóvel. A falta de vagas acarreta expressiva desvalorização ou até inviabiliza a comercialização de muitos imóveis.

Mais de 70% das convenções são copiadas de modelos, sem qualquer cuidado, pois o construtor sabe que quase ninguém lê a convenção de um prédio antes de comprar a unidade. Ocorre que a convenção é extremamente importante, pois regulamenta os direitos e deveres dos condôminos e estipula regras de uso da garagem, sendo de cumprimento obrigatório por todos, mesmo por aqueles que não teve conhecimento do referido documento que está à disposição de qualquer pessoa no Cartório de Registro de Imóveis.

Geralmente as convenções são omissas quanto à permissão do proprietário alugar ou vender a vaga que é acessória (com fração ideal incluída dentro da fração ideal do apartamento), e assim, caso não a utilize, conforme a nova regra do CC poderá a administração proibir que faça esse tipo de transação com quem não resida ou trabalhe no prédio.

Muitos problemas nos condomínios seriam evitados se a convenção fosse redigida por um advogado especializado em Direito Imobiliário, pois seriam evitados vários erros, conflitos e prejuízos que perduram por anos nos prédios. A experiência tem comprovado que o resultado de uma convenção redigida por um engenheiro/construtor é o mesmo de um edifício construído e projetado por um advogado, ou seja, um desastre.

                        Se a convenção não autorizar a locação e venda para terceiros, não poderá ser aplicado em sua plenitude o art. 1.338 que determina: “Resolvendo o condômino alugar área no abrigo para veículos, preferir-se-á, em condições iguais, qualquer dos condôminos a estranhos, e, entre todos, os possuidores.”

                        Entretanto, poderá a assembleia geral, com o voto de 2/3 do condomínio, a qualquer momento, alterar a convenção que for omissa, e assim, inserir uma autorização para que a locação e/ou venda possa ser realizada com estranhos, gerando assim maior valorização das vagas.

VENDA COMPLICADA DE GARAGEM SEM FRAÇÃO IDEAL DISTINTA

Na realidade, a venda de parte acessória (vaga que não tem fração ideal distinta) sempre foi complicada, porque não é divisível, pois sua fração ideal é inseparável da unidade principal.

Raramente, se cogita a alienação de vagas indeterminadas na garagem a estranhos ao condomínio uma vez que não há como individualizar a propriedade do adquirente, em atenção ao princípio da especialidade. Neste caso, sempre foi inviável um terceiro, que não é proprietário de unidade autônoma no edifício, adquirir uma vaga no condomínio.

VAGA DE GARAGEM AUTÔNOMA – FALHA DA REDAÇÃO DA LEI

O abrigo para veículos pode ser identificado como: a) garagem coletiva com fração ideal incluída na área comum do prédio sem local específico; b) garagem demarcada, com local certo para cada condômino estacionar seu veículo, com fração ideal incluída na unidade principal ou na área comum; e c) vaga individualizada e demarcada, com fração ideal de terreno específica, configurando uma unidade autônoma.

A vaga de garagem que é parte acessória não se confunde com a vaga de garagem que é autônoma, que tem fração ideal própria, pois esta tem matrícula no Cartório de Imoveis independente e guia de IPTU distinta do apartamento.

Ocorre que a redação da lei é falha, pois os proprietários de vagas autônomas poderão se sentir prejudicados caso a administração do prédio entenda que não poderão vender as mesmas para estranhos, o que gerará redução de possibilidade de transação e de seu valor comercial. Estes  poderão contestar a aplicação da nova lei, pois adquiriram suas vagas sob outro regime legal, consistindo direito adquirido a possibilidade de vender (dependendo do caso, até locar) para quem desejar.

A vaga autônoma é geralmente considerada com os mesmos direitos de uma unidade principal (apartamento, sala ou loja), pois paga taxa de condomínio e IPTU distintos e inclusive tem direito a votar nas assembleias gerais. O legislador deveria ter sido mais preciso e técnico na redação do novo dispositivo legal.

LOCAÇÃO EM PLENO VIGOR

No regime da Lei nº 4.591/64 e do CC até o dia 19/05/12, o proprietário de apartamento que tem vagas de garagem, mesmo sendo acessórias à unidade principal, poderia cedê-las ou alugá-las para terceiros, conforme previsto no art. 1.338 do CC.

Tendo em vista o princípio constitucional de que uma nova lei não retroage e que não pode ferir o ato jurídico perfeito e o direito adquirido, as locações que estão em pleno vigor não poderão ser contestadas pelo síndico e nem por qualquer condômino, pois estes contratos consistem em ato jurídico perfeito.

Neste caso, sendo a convenção omissa e diante da nova restrição à locação para terceiros, o locador poderá ser contestado quanto à sua pretensão de locar para quem não é morador somente após o encerramento da locação em vigor, ou seja, quando vier a promover uma nova locação.

DIREITO ADQUIRIDO

Nos prédios já construídos, onde a convenção é omissa, quem é proprietário somente de vagas, pois não possui apartamento ou sala no edifício, poderá alegar direito adquirido para contestar essa limitação ao seu direito de propriedade. Isto porque, tendo a vaga fração ideal distinta e matrícula individualizada, está é independente, o que lhe confere maior valor comercial. Este proprietário poderá alegar que a nova lei não pode atingi-lo, pois quando comprou tinha o direito de venda a terceiros e assim seu patrimônio não pode ser restringido posteriormente, de maneira a perder a possibilidade de ter maior número de interessados à locação e compra.

Portanto, a nova lei prestigia a segurança, o interesse coletivo sobre o individual e estimula o aprimoramento da redação da convenção quanto à comercialização das vagas de garagem, mas deve ser interpretada com cautela, principalmente em relação às vagas de garagem independentes das unidades.

Belo Horizonte, 20 de maio de 2012.

Kênio de Souza Pereira

Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis

Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG

Tel. (31) 3225-5599