Uso de crachás em prédios não pode caracterizar preconceito ou discriminação

Uso de crachás em prédios não pode caracterizar preconceito ou discriminação

por Daniela de Almeida Tonholli

 

O uso obrigatório de crachás por empregadas domésticas – e apenas por elas – para terem acesso a prédio residencial tem causado polêmica. As opiniões se divergem sem que ninguém esteja absolutamente errado. Se de um lado o que está na convenção e foi decidido em assembleia é “lei” no condomínio, de outro a convenção somente terá esse poder se estiver em consonância com as leis existentes no nosso sistema jurídico

 

Estão em questão a igualdade, a isonomia, a segurança privada, a propriedade. O síndico, em sua função administrativa, é competente para praticar os atos necessários à defesa dos interesses comuns, cumprir e fazer cumprir a convenção, o regimento interno e as determinações da assembleia, bem como diligenciar para a conservação e guarda das partes comuns. Se, em algum momento, foi decidido em assembleia que, por segurança, era necessário exigir o uso de crachás pelas empregadas domésticas, por todos os poderes conferidos pela lei à convenção e à assembleia fica presumida a legalidade. Contudo, fazendo uma análise dessa norma de natureza privada diante das leis, torna-se flagrante o equívoco.

Direitos – As normas jurídicas admitem tratar de forma desigual as pessoas quando têm por objetivo proteger os mais fracos, porque assim, todos ficam iguais em direitos. Quando se exige o uso de crachá apenas para os empregados das unidades do edifício, surge o preconceito, pois, fica implícito que recai somente sobre eles a suspeita de oferecerem risco à segurança. E nem se cogita que a desconfiança seja sobre cada uma das empregadas domésticas. Aqui, já parte-se do pressuposto que temem que terceiros mal intencionados se passem por domésticas para terem acesso ao condomínio, porque se admitirmos que a suspeita é contra essas pessoas que ali já trabalham, a situação se agrava. Observemos que qualquer pessoa mal-intencionada pode se fazer passar não apenas por doméstica, mas, por visita, vendedor ou prestador de serviço também.

 

Na realidade, os porteiros estão familiarizados com as empregadas que frequentam diariamente o edifício, o que não ocorre com os indivíduos que não moram e nem trabalham no edifício.

 

Crachá – Nos edifícios comerciais o uso de crachá ocorre de forma correta. Todos usam crachá. A regra é: o proprietário ou inquilino e seus funcionários, têm crachá permanente. Quem não o tem, deve se identificar na portaria e, somente depois, receber um crachá de visitante. Isso é tratamento igualitário.

 

No residencial, a alternância de moradores é menor que no comercial, o que faz com que os porteiros identifiquem mais facilmente moradores e empregados, o que dispensa o crachá permanente. O mais comum é utilizar a autorização para terceiros desconhecidos, ou seja, chegando na portaria o porteiro liga para o apartamento e pede a autorização. Esse critério é mais eficiente que o uso de crachá em prédios residenciais, porque se um terceiro malicioso obtiver acesso a um crachá e produzir um igual, acessará o prédio sem que sequer seja conhecido de algum morador.

 

Crime – Estabelecer o uso de crachá apenas para empregadas domésticas, além de não oferecer nenhuma segurança a mais, cria uma situação discriminatória que merece a análise do crime de racismo. O artigo 11 da Lei 7.716/89, diz que “impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou escada de acesso aos mesmos: pena – reclusão de 1 a 3 anos.”

 

Assim, se a pessoa se submete ao uso do crachá, ela não foi impedida, não há crime. Mas se ela se nega a usar, for impedida de entrar e ficar demonstrado que a categoria “empregadas domésticas”,  na verdade não oferece qualquer risco e estão sendo tratadas assim porque representam um conjunto de pessoas que, em sua maioria, têm características relacionadas à raça ou cor, então já pode ser cogitado o crime de racismo. Ainda, se a pessoa que foi obrigada a usar o crachá por ser empregada doméstica tiver a entrada permitida, mas se sentir ofendida em sua dignidade por essa discriminação, que se faz não por palavras, mas por uma atitude, que faz referência à sua origem, raça ou cor, então pode-se cogitar o crime de injúria racial, com pena de reclusão de 1 a 3 anos e multa. Um ou outro crime, a gravidade é a mesma.

O abuso de estabelecer de forma inconstitucional o uso dos crachás, bem como outras situações irregulares, ocorre com frequência pelo fato de muitos condôminos elaborem a convenção e o regimento sem entenderem as leis que são aplicáveis à propriedade imobiliária. Uma convenção individualizada, feita por advogado, por ter capacidade de fazer a previsão das consequências jurídicas de cada regra estabelecida, garante normas seguras de serem aplicadas sem submeter ao questionamento e impugnação os atos de administração praticados pelo síndico.

*Advogada e professora de Direito Penal na Famig – Daniela.tonholli@gmail.com