Ser síndico é um desafio que poucos têm coragem de assumir

Ser síndico é um desafio que poucos têm coragem de assumir

Por Kênio de Souza Pereira

 

Assumir a função de síndico não é uma tarefa fácil, pois ao representar os interesses da coletividade acaba afetando seus compromissos pessoais e familiares. É comum as tarefas reduzirem seu tempo de lazer e até de trabalho, sendo que geralmente não é um especialista em gestão condominial de edifício ou de um loteamento fechado. É fundamental que o síndico tenha uma assessoria jurídica e contábil apta a lhe prestar orientações, uma vez que nos últimos vinte anos os governos federal e municipal criaram diversas obrigações que exigem conhecimento técnico para evitar que o condomínio tenha problemas.

 

Diante dessas complexidades que exigem mais conhecimento do gestor, a cada dia aumenta o número de condomínios que passam a contratar o síndico profissional, bem como as empresas administradoras, as quais têm como foco a organização das rotinas administrativas e contábeis, sendo ilegal que essas prestem orientações jurídicas. A lei e a Ordem dos Advogados do Brasil proíbem que um advogado trabalhe dentro de uma administradora ou conservadora prestando serviços a terceiros. Fere a ética, além de colocar em segundo plano os interesses dos condôminos. São vários os relatos do síndico ter sido induzido a erro, pois caso fosse orientado corretamente, acabaria entrando em choque com a administradora.

 

Muitos desafios – É fundamental entender que não cabe ao síndico dominar questões que exigem conhecimento especializado, como por exemplo obras, contabilidade, redação e interpretação de documentos jurídicos. Vários são os desafios enfrentados por quem tem coragem de se tornar a “vitrine” do edifício. A maioria dos condôminos evita assumir tais riscos, já que caso dê tudo certo o síndico simplesmente cumpriu seu dever, mas se algo dá errado, surgem aqueles que colocam a culpa no síndico. Entre esses, se destacam os que nunca vão à assembleia, se recusam a contribuir com boas ideias e atitudes, mas na hora de reclamar são os primeiros, que ignoram os riscos normais de qualquer atividade.

 

Antissocial – A Organização Mundial de Saúde divulgou que 2% da população tem algum problema de comportamento, o que torna fácil compreendermos alguns vizinhos mal-humorados, agressivos, antissociais, ou seja, a cada 100 moradores, é comum que tenhamos dois complicados.  O desafio é que muitos dos moradores acham que cabe ao síndico enfrentar sozinho algumas “feras”, que ninguém suporta. O síndico tem o direito de contratar um advogado para revisar a convenção, aplicar multa e tomar as medidas jurídicas para coibir alguns comportamentos que podem oferecer riscos à integridade física, mas alguns entendem que não, pois pensam que o síndico sabe tudo.

 

Na prática, há síndico que enfrenta situações perigosas, que às vezes viram  manchetes nos jornais que relatam agressões que poderiam ter sido evitadas se os condôminos se unissem e tomassem as devidas providências jurídicas preventivas, sem se preocuparem em economizar ao não investirem na solução profissional. É comum o advogado deixa de atuar ao ver a gravidade do caso e perceber que os condôminos se recusam a assumir os custos jurídicos. Ao final, várias pessoas acabam mudando e colocando a culpa no síndico por não ter feito o milagre de exorcizar o vizinho que fez do edifício um “condemônio”.

 

Assembleia – Há muitas pessoas que sempre residiram em casas e outras que não estão acostumadas a participar de assembleias ou em aceitar a opinião de vizinhos. Conviver em apartamentos, salas e lojas que são interligadas é complicado para quem acha que dentro da sua unidade pode fazer o que bem entende, como se não existisse o direito de vizinhança.  Fala-se muito em respeito e democracia, mas algumas pessoas, quando contrariadas, assumem postura agressiva, a ponto de ofender o síndico, ignorando o dever de aceitar a decisão da maioria. Isso explica o motivo de muitos síndicos terem pavor de realizar assembleias.

 

Muitas vezes, aquele que foi derrotado na eleição ou o ex-síndico, inspirados no que há de mais vil na política, parte para uma posição irracional à figura do síndico, discordando de tudo que este proponha em assembleias, mesmo que esse posicionamento vá contra os interesses do condomínio.

 

A pessoa mais fácil de ter sua honra ofendida em um condomínio é o síndico, por passar a ser o foco de injúria, difamação e calúnia. A experiência comprova que o acusador malicioso e fofoqueiro, ao comparecer como réu no Juizado Especial Criminal ou ao responder um processo de indenização, acaba mudando de postura ao negar tudo que disse e fez. Entretanto, é fundamental que a coletividade arque com os custos de tais procedimentos quando as ofensas são infundadas, mas isso dificilmente é aprovado pela assembleia.

 

Alguns pensam que o síndico é um empregado dos moradores, desconhecendo que ele não está à sua disposição 24 horas do dia, sendo que sua remuneração – quando existente – em geral não compensa os transtornos e inimizades que surgem em razão de ter que exigir a pontualidade e o cumprimento da convenção.

 

Nos edifícios de pequeno porte, há casos de condôminos que não aceitam que o condomínio tenha conta bancária para não terem custos com boleto. Acabam perturbando o síndico tarde da noite, nas manhãs dos finais de semana para pagar a quota de condomínio ou para fazer reclamações sobre barulho e outros problemas que deveriam ser informados apenas por escrito.

 

Síndico é só síndico – Quando um apartamento tem vazamento que atinge a outra unidade ou produz ruídos que atingem somente o vizinho debaixo, ou, estaciona seu automóvel invadindo um pouco a vaga de garagem do outro, por não envolver áreas comuns, não afetam a coletividade, cabe ao prejudicado providências para reclamar, notificar ou acionar o infrator. Não é dever do síndico cuidar desses problemas, mas há morador que insiste em empurrar esse problema para o condomínio ao invés de contratar um advogado por sua conta.

 

Ignora-se que o síndico tem o direito de contratar consultoria (engenharia, arquitetura, contábil, jurídica etc.) para orientá-lo a tomar decisões acertadas e que esse custo é do condomínio. Entretanto, os “complicados” reclamam de ter que pagar pela consultoria ou notificação, mas quando surge um erro são os primeiros a exigir a reparação do prejuízo que poderia ser evitado se o assunto fosse conduzido de maneira técnica e profissional.

 

Prestação de contas – Existem condomínios que a prestação de contas é realizada há anos sem uma assessoria contábil eficiente, pois entendem que o síndico tenha que ter o conhecimento de um contador, como se entendesse de tributos, questões trabalhistas e controle financeiro. Há quem diga: “para ser acusado de desvio de dinheiro basta assumir o cargo de síndico”.

 

O problema é o síndico ter sua imagem denegrida ao ser colocada em dúvida sua honestidade, por determinado grupo de pessoas que se utiliza de manobras para impedir a aprovação da prestação de contas de maneira sucessiva, por meses e meses, sem apontar por escrito exatamente o que está errado, causando-lhe danos morais diante da angústia de ver negado o encerramento do mandado de maneira digna.

 

Amigo? – Muitas dizem com sabedoria: “Quer perder um amigo, basta emprestar dinheiro e cobrá-lo, no caso dele não pagar”.  Isso ocorre muito nos condomínios, pois há devedor que fica com raiva do síndico por esse não retirar os juros e a multa por atraso ou por ter assinado a procuração para um advogado executar a dívida judicialmente. O devedor ou infrator ignora que o artigo 1.348 do Código Civil impõe ao síndico o dever de cobrar, exigir o cumprimento da lei, da convenção e das deliberações da assembleia. Assim, o infrator passa a criar polêmicas contra o síndico.

 

Vários são os síndicos que sofrem por ninguém se importar que determinado condômino o ataque injustamente por meio de cartas anônimas, e-mails ou WhatsApp.  Acaba o síndico sendo desmotivado por falta de apoio dos condôminos que não o defendem de acusações infundadas. Afinal, se esquecem que qualquer condômino pode vir a ser o síndico futuramente e que muitos nunca aceitarão a função justamente por existir esse clima.

 

Devemos valorizar aquele que assume a sindicância, por essa exigir habilidade, boa vontade, paciência para conciliar a diversidade de pensamentos, culturas, valores e condições financeiras que tornam, às vezes, complicado o contato diário entre os moradores de unidades condominiais. Se já é difícil compartilhar o dia a dia com dezenas de pessoas, mais desafiador ainda é assumir a nobre função de síndico. E, nesse dia 30 de novembro, parabéns a todos aqueles que se dedicam a essa atividade.

 

* Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis – Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG – kenio@keniopereiraadvogados.com.br