O síndico e as obras nas unidades autônomas

O síndico e as obras nas unidades autônomas

Por Kênio de Souza Pereira

 

Com o surgimento em 2014 da NBR 16.280, da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) que trata das reformas em unidades condominiais e das áreas comuns, surgiram muitas polêmicas, especialmente por sua primeira versão constar que o síndico era o responsável pela autorização das obras de reforma ao conferir se a documentação entregue pelo proprietário da unidade em questão estava de acordo com o plano de reforma e o projeto.  Diante dessa inadequada imposição ao síndico, que estipula uma responsabilidade sem que se possa exigir dele capacidade técnica, foi elaborada posteriormente uma nova versão da NBR 16.280.

 

Enquanto esteve em vigor a redação anterior, contudo, ocasionou vários abusos nos condomínios com síndicos que foram induzidos a pensar que possuíam poder de polícia, cometendo o ilícito de arbitrariamente impedir que o proprietário ou inquilino fizessem reformas simples, que se limitavam a pintura das paredes, troca de revestimentos (azulejos, cerâmica de piso ou painéis de madeira), dentre outros reparos que obviamente dispensam a exigência de um engenheiro ou arquiteto para assinar uma ART (Anotação de Responsabilidade Técnica).

 

Correção da NBR – Em decorrência das confusões geradas por interpretações equivocadas que aterrorizavam o síndico, imputando a este até responsabilidade criminal e poder de polícia de forma descabida, pois uma norma técnica não é lei, não tendo força de autorizar o que somente o Estado pode, constata-se que o resultado foi o surgimento de processos judiciais que geram prejuízos. Houve condomínios que tiveram que indenizar por impedirem reformas simples, às vezes porque os moradores reclamam dos ruídos, fatos esses que motivaram a alteração da NBR 16.280.

 

Na nova versão a NBR estabeleceu que arcará com a responsabilidade da obra o condômino ou responsável legal da unidade, cabendo a este o dever de apresentar a documentação ao síndico, bem como o plano de reforma. Portanto, de forma acertada, deixou de imputar ao síndico a obrigação dele avaliar e aprovar a execução de uma reforma estrutural, pois este não tem capacidade técnica para tal, sendo que as demais determinações continuam em vigor.

 

Antes da obra – Apesar da responsabilidade do síndico ter sido amenizada, cabe ainda a ele apurar previamente a dimensão da obra de reforma, pois sendo ela estrutural, ou seja, aquela que pode alterar as condições da edificação, visando recuperar, melhorar ou ampliar suas condições de habitabilidade, uso e segurança, e que não seja manutenção, deverá o proprietário apresentar o plano de reforma elaborado por profissional habilitado. Portanto, o engenheiro (ART) ou o arquiteto (RRT) que assinar o documento deverá acompanhar a obra em todas as suas fases, responderá tecnicamente pela segurança da reforma. Cabe ao síndico conferir se na ART ou RRT consta realmente a obra que será executada, ou seja, a descrição conforme o escopo do Plano de Reforma. Se a ART ou RRT constar apenas que se trata de “laudo de execução de reforma”, o síndico deve rejeitar, pois não implica em responsabilidade pela execução da obra, já que se limita à elaboração do laudo.

 

A nova versão da NBR 16.280 eliminou o tumulto que ocorria quando o síndico recebia o Plano de Reforma e, por não dominar o assunto, optava por contratar o engenheiro para aprova-lo ou não. Criava-se um problema para definir quem pagaria esse profissional: o condomínio ou o requerente que solicitava a aprovação?

 

Agora, com a mudança da NBR, não é preciso o condomínio ter essa despesa, pois ficou claro que a responsabilidade é do condômino que fará a obra, juntamente com o engenheiro contratado que tem o dever de agir criteriosamente.

 

Evidências – Entretanto, caso fique evidente que há alteração do que foi relatado a ponto de gerar desconfiança, ou sendo constatado que o empreiteiro está cortando pilares ou colunas, dentre outras irregularidades, deverá o condomínio agir com rapidez e contratar um engenheiro, bem como um advogado especializado em Direito Imobiliário para tomar as providências para impedir os riscos e os possíveis danos. Não se admite nesse caso omissão ou inércia do síndico, cabendo a esse respaldar suas atitudes por meio da assembleia.

 

No caso de risco iminente à segurança, como abalo em pilares, deve buscar interditar imediatamente a continuidade da obra, realizar um Boletim de Ocorrência e buscar as autoridades competentes para a análise, como a Defesa Civil ou Corpo de Bombeiros.

 

Nenhum condômino pode impedir o acesso à sua unidade para que o síndico e seus auxiliares verifiquem o que está sendo executado, pois este tem tal direito, nos termos do artigo 1348 do Código Civil, que lhe dá a competência de “diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores”.

 

Tendo o síndico dificuldades em exercer sua função, este tem o direito de contratar uma assessoria jurídica para proteger os interesses da coletividade, bem como para orientá-lo a agir sem excessos, dentro dos limites da lei. O direito de propriedade não é absoluto, especialmente numa edificação coletiva, conforme estabelece o Código Civil que visa assegurar a harmonia e o respeito entre os coproprietários. Isso está claro no art. 1.336, inciso IV que determina o dever do condômino “dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes”, sendo que infringi-lo motiva a aplicação de multa prevista no mesmo artigo, bem como no art.1.337.

 

Ruídos – É notório que toda obra incomoda, sendo impossível impedir os ruídos e poeira decorrentes de qualquer reforma. Não há como o condomínio ou os vizinhos evitarem esses transtornos. Por outro lado, cabe ao proprietário da obra, que em breve irá conviver no edifício, bem como ao empreiteiro e aos operários procurarem amenizar, dentro do possível, os incômodos. As regras de boa vizinhança e gentileza devem ser aplicadas, por exemplo, para negociar com o síndico a redução dos ruídos nos horários que são críticos (muito cedo e no horário do almoço), tornando o transtorno menos penoso aos vizinhos. Deve ser observado que a Lei nº 9.505/2008 proíbe a utilização de serra circular, martelo, makita, furadeira, martelete e demais equipamentos que causam ruídos acima de 70 decibéis antes das 10h00 e após às 17h00.

 

Conforme essa Lei, que define o controle de ruídos em Belo Horizonte, qualquer construtora, mesmo com o Alvará de Construção, nos termos do art. 8º, tem o dever se respeitar o Direito de Vizinhança. Inexiste alvará que autorize perturbar, prejudicar os vizinhos ou causar danos às edificações localizadas no entorno da obra.

 

Todavia, quem reside ou trabalha em condomínio tem que suportar o crescimento da cidade e os inconvenientes das construções, o que impõe que os cidadãos tenham certa tolerância.

 

Edifício autoportante – Por ser mais econômico, várias construtoras edificaram prédio com o método autoportante, no qual as paredes possuem função estrutural por suportarem o peso do edifício, dispensando assim a colocação de vigas e pilares. Dessa forma, qualquer intervenção na disposição dos cômodos poderá acarretar dano à estrutura do edifício. Nesse tipo de edifício, para evitar intervenções perigosas, os construtores instalam na entrada do prédio uma placa que alerta ser proibida a retirada ou alteração de paredes.

 

Há empreiteiro inconsequente que, por não crer que uma “pequena” modificação na parede possa abalar a estrutura do edifício, realiza sua retirada. Nesse caso, qualquer vizinho, ao perceber o barulho de alguma parede sendo quebrada, bem como o síndico, pode impedir a obra imediatamente, devendo chamar a polícia diante do risco de desabamento.

 

Garantia – Além dos prejuízos estruturais, a alteração nas paredes nesse tipo de edifício também causará a perda da garantia de cinco anos dada pela construtora, o que gera a desvalorização do imóvel. Nesses casos, poderá o condomínio acionar o Poder Judiciário, bem como multar o infrator com base no Código Civil que determina o dever de todos os condôminos se absterem de realizar obras que venham a comprometer a segurança da edificação. Ocorrendo algum dano, caberá ao infrator arcar com a indenização.

 

Contudo, normalmente o conserto estrutural possui um custo bastante elevado, que pode superar o valor do apartamento, sendo possível que o condômino não possua condições financeiras para custeá-lo.

 

*Diretor Regional em MG da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário (ABAMI) – Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MH – Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis – kenio@keniopereiraadvogados.com.br