Stj se posiciona sobre fração ideal

Stj se posiciona sobre fração ideal

Por Kênio de Souza Pereira

 

 

O Ministro Marco Buzzi do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar o Agravo em Recurso Especial nº1837019, negou a pretensão do Condomínio do Ed. Murano, que insistia em utilizar a fração ideal para cobrar quota de rateio em valor maior da cobertura, apesar dela utilizar os serviços e as áreas comuns da mesma maneira que os demais apartamentos.

 

Na sua sábia decisão, publicada no dia 1º/07/21, o Ministro do STJ deixou claro ser indiscutivelmente injusta a cobrança da quota de condomínio calculada com base na fração ideal do terreno que força o proprietário da cobertura pagar a mais que os apartamentos, pois se revela abusiva. Essa decisão do STJ vem a confirmar o acerto da tese que defendemos no processo julgado em março de 2021, pela 16ª Câmara Cível do TJMG, no qual nove coberturas que pagavam 148% a mais que os apartamentos tipo, ganharam o direito de pagar o mesmo valor que os demais 372 apartamentos localizados num grande empreendimento em Belo Horizonte-MG.

 

Tese – Essas duas recentes decisões confirmam a tese que defendemos há 26 anos, que procura elucidar os equívocos decorrentes da falta de aprofundamento na matéria, pois a fração ideal foi implantada na Lei do Incorporação em Condomínios (Lei 4.591/64) para dividir despesas de construção. É inadequado tratar o rateio de despesas de conservação e manutenção das áreas comuns (que estão localizadas fora dos apartamentos) como se fosse um imposto (IPTU e ITBI). O fato da cobertura ter valor venal maior que o de um apartamento tipo não justifica que seu proprietário pague quota de condomínio, em percentuais que variam de 50 a 150%, a mais do que é cobrado do apartamento tipo.

 

Decisão – Vejamos parte da decisão do STJ, publicada no dia 1º/07/21, que merece reflexão diante da sua clareza:

 

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1837019 – AL (2021/0039364-3)

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESPESAS CONDOMINIAIS. DECISÃO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA QUE CONSIDEROU A IMPOSSIBILIDADE DE PAGAMENTO DA TAXA ATRAVÉS DE CÁLCULO REALIZADO COM BASE NA FRAÇÃO IDEAL DE CADA UNIDADE AUTÔNOMA. […] DESCABIMENTO DE COBRANÇA A MAIOR DA TAXA CONDOMINIAL ÀS UNIDADES COM MAIOR FRAÇÃO IDEAL. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA.

RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.”

 

Nas razões de recurso especial (fls. 84-100, e-STJ), a recorrente apontou, além de dissídio jurisprudencial, violação ao art. 1.336, I, do CC e art. 12, §1º da Lei 4.591/64, sustentando que a convenção condominial prevê expressamente a divisão das taxas condominiais em fração ideal.

 

[…]

 

Decido.

  1. É que, de fato, ao se considerar que a taxa de condomínio possui o condão de arcar apenas com serviços relativos às áreas comuns do edifício, os quais são prestados de forma igualitária para todos os condôminos (a exemplo de asseio, limpeza, conservação, reparação de dependências comuns, assim como pagamento de funcionários e administrador), tem-se que a cobrança da taxa condominial calculada com base na fração ideal do terreno de cada unidade se revela abusiva e, indiscutivelmente, injusta, posto que onera em demasia o condômino que reside em apartamento de maior proporção e, em contra ponto, beneficia indevidamente os demais moradores do condomínio edilício que possuem unidades de menor área”.

 

Isonomia – Princípios da isonomia e proporcionalidade se sobrepõem aos artigos 12 da lei 4.519/6 e 1.336, i do cc. Gera satisfação aos advogados que atuam no Direito Imobiliário a expectativa dos magistrados estarem observando a prova pericial que possibilita decisões com maior acerto, que prestigiam os princípios da isonomia e da proporcionalidade, à função social do contrato e à boa-fé. O que se paga na quota de condomínio decorre do que está disponível e passível se ser utilizado de forma igual nas áreas externas aos apartamentos. Portanto, seja qual for a unidade (apartamento ou cobertura) estando ocupada ou vazia, cabe ao seu proprietário pagar o mesmo valor pela conservação e manutenção.

 

Ninguém questiona ser ilegal a fração ideal nos condomínios, pois ela é prevista na lei, sendo correta sua aplicação quando se trata dos custos da construção. O que contestamos é sua utilização equivocada, em alguns casos onde há unidades de tamanhos diferentes, pois a regra do inciso I, do art.1336 não pode se sobrepor aos artigos 157, 422, 884, 2.035 do mesmo diploma legal.

 

Sem lógica – Basta vermos que no caso de uma loja térrea com 600 m², com frente para a via pública, localizada sob o edifício composto por 20 apartamentos de 100 m² cada. Tendo a loja fração ideal 500% maior que um apartamento, consistiria num absurdo cobrar da loja 5 vezes o valor da quota do apartamento para pagar os custos com porteiros, faxineiras, elevadores, garagem, áreas de lazer, água e luz que são usufruídos apenas por quem reside nos 20 apartamentos.

 

Basta ser racional, honesto e fazer contas para perceber ser ilógico o uso da fração ideal para cobrar a mais da loja que não tem qualquer benefício. Cobrar a mais de quem não gasta a mais é abusivo e injusto, tendo isso ficado expresso em várias decisões, dentre elas a do TJMG e a do STJ de 1º/07/21.

 

A brilhante decisão do TJMG que igualou a quota das coberturas à dos apartamentos, esclareceu que foi ignorado por décadas que rateio de obra, prevista na Lei de Incorporação, que prevê a venda na planta (art. 12), não tem qualquer relação com o art. 24, que prevê as despesas após a entrega do prédio pronto e sua efetiva ocupação, pois essas consistem em despesas de serviços conservação e manutenção das áreas comuns.

Art. 24. Haverá, anualmente, uma assembleia geral ordinária dos condôminos, convocada pelo síndico na forma prevista na Convenção, à qual compete, além das demais matérias inscritas na ordem do dia, aprovar, por maioria dos presentes, as verbas para as despesas de condomínio, compreendendo as de conservação da edificação ou conjunto de edificações, manutenção de seus serviços e correlatas.

Essas despesas das áreas comuns não podem ser tratadas como se fossem o IPTU, pois tais áreas não são utilizadas a mais por qualquer unidade. Imputar à cobertura pagamento maior consiste em enriquecimento sem causa dos donos dos apartamentos, conforme consta em vários acórdãos dos Tribunais que aprofundaram nas perícias judiciais, pois os engenheiros elucidaram as dúvidas quanto a real finalidade da fração ideal.

*Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal – Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG – Advogado e Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis – kenio@keniopereiraadvogados.com.br