Aceitar voto irregular pode gerar nulidade da deliberação e prejuízos em processos judiciais
O Código Civil que entrou em vigor em janeiro de 2003, promoveu importantes alterações na legislação que regula as relações vividas por aqueles que residem ou trabalham em condomínios. Uma das mais importantes foi a retirada do direito do inquilino, também denominado locatário, participar das assembleias, já que o Código Civil prevê no inciso III do art. 1.335 que somente os condôminos podem votar nas decisões assembleares.
Em 1991, a Lei do Inquilinato trouxe o art. 83 que introduziu a novidade na Lei 4.591/64 que autorizou o inquilino a participar somente na votação das despesas ordinárias, caso o condômino não comparecesse. Entretanto, essa norma não vale mais e muitas pessoas desconhecem isso e outras fazem grande confusão diante da falta de aprofundamento nos três diplomas legais que abordaram a matéria.
Voto ilegal – Os condôminos, mesmo que bem intencionados no sentido de prestigiar quem comparece e mora no edifício, ao permitir a participação do inquilino na assembleia acabam criando situação que gera a nulidade da votação, fato esse que pode gerar processos judiciais e prejuízos expressivos. Se o voto do inquilino foi determinante para formar o quórum, a sua nulidade poderá inviabilizar a cobrança da quota extra aprovada para realizar uma obra que tiver sido contestada pelo devedor, ou seja, o condomínio poderá perder processos judiciais em decorrência da nulidade da votação.
A assembleia não tem poder de mudar a lei e autorizar o voto do inquilino no lugar do condômino ausente. Dessa maneira consiste numa afronta à legalidade e ao bom senso aceitar o voto do inquilino em qualquer deliberação da assembleia, pois se este tem interesse cabe a ele previamente obter a procuração do condômino/locador para participar.
Confusão – É verdade que na qualidade de inquilino, o morador ou possuidor deve concorrer com o rateio das despesas ordinárias do condomínio. Isso significa dizer que a taxa suportada mensalmente pelo inquilino abrange os gastos com porteiro, manutenção/faxina, consumo de água e energia elétrica, peças e manutenção de elevadores e dos equipamentos em geral, pequenos reparos elétricos e hidráulicos, enfim tudo que for necessário ao funcionamento do condomínio. Quanto às despesas com obras estruturais e reformas em geral, cabe ao condômino/locador arcar com as mesmas através das chamadas taxas extraordinárias.
Contemplando esse raciocínio, a Lei do Inquilinato nº 8.245/91 no seu art. 83 introduziu o § 4o no art. 24 da Lei nº 4.591/64 dando poder de voto ao inquilino, caso o condômino-locador não comparecesse à assembleia. Posteriormente, após cinco anos, surgiu a Lei nº 9.276/96, dando nova redação ao §4o do art. 24 da Lei nº 4.591/64, disciplinando que “nas decisões da assembleia que não envolvam despesas extraordinárias do condomínio, o locatário poderá votar, caso o condômino-locador a ela não compareça”. Portanto, a ausência do condômino na assembleia permitia ao inquilino votar matérias importantes, como eleição de síndico ou sorteio de vagas de garagem, bem como nas questões administrativas, exceto quanto a obras que resultassem em quotas extras.
Participação do inquilino – Ocorre que, o poder de o inquilino comparecer e votar nas assembleias foi extinto, pois o referido dispositivo legal sofreu alteração com a entrada em vigor do novo Código Civil (CC), Lei nº 10.406/2002, que dedicou um capítulo inteiro (arts. 1.331 a 1.358) para tratar das relações no condomínio edilício.
Atacando diretamente a situação do inquilino, o CC derrogou os artigos 1º a 27 da Lei nº 4.591/64, inclusive o §4º do art. 24 que permitia que ele participasse das assembleias e votasse. Da mesma forma, não há que se dizer que o art. 2.036 do CC revigorou o art. 83 da Lei do Inquilinato, pois o direito brasileiro não contempla o instituto da repristinação. Ou seja, a norma legal uma vez revogada ou derrogada, não volta a valer, quando outra lei revoga aquela que a substituiu. E assim, não tem nenhum valor o art. 83 da Lei do Inquilinato, pois este exauriu sua finalidade ao acrescentar o dispositivo na Lei 4.591/64, tendo esta sido alterada pelo CC de 2002.
Sendo assim, não existe na legislação vigente, disposição que obrigue o condomínio a aceitar a participação do inquilino nas assembleias. O Código Civil adotou uma postura que privilegia o direito à propriedade, determinando direito de voto somente ao proprietário, de acordo com o art. 1.335: “São direitos do condômino: III – votar nas deliberações da assembleia e delas participar, estando quite”.
O CC passou a regular os condomínios edilícios e basta verificarmos que na seção II “Da administração do condomínio” que contempla os artigos 1.347 a 1.356 que regulamenta as assembleias e as votações, nada diz sobre autorizar o inquilino a votar, ou seja, o legislador deliberadamente supriu o que previa o § 4º do art. 24 da Lei nº4.591/64. Se o legislador desejasse que o inquilino tivesse direito a voto, bastaria ter reproduzido no CC o referido dispositivo, mas não o fez.
Confirmando esse entendimento, cito o jurista J. Nascimento Franco, que em seu livro “Condomínio”, da Editora Revista dos Tribunais/2005, na pág. 113 afirma: “Segundo entendimento predominante dos comentaristas, o novo Código Civil revogou os arts. 1 a 27 da Lei 4.591/64, de sorte que deixou de vigorar a faculdade que o § 4º, do art. 24 daquele diploma, na redação que lhe tinha sido dada pela Lei 9.267/96, concedia ao locatário para comparecer às assembleias do condomínio e deliberar sobre tudo quanto não se referisse a despesas extraordinárias. Consequentemente, não há mais necessidade de cautelarmente se convocar o inquilino para aquelas reuniões”.
Procurador – Entretanto, assim como privilegiou o direito à propriedade, a legislação civil consagra no art. 653 o instituto do mandato, podendo o proprietário outorgar procuração ao inquilino ou para qualquer outra pessoa capaz, para que o mesmo o represente em assembleia para votar.
Caso o inquilino tenha interesse em participar e votar na assembleia, caberá a ele buscar junto ao condômino/locador a procuração, onde o proprietário poderá limitar os poderes a determinado assunto previsto na pauta, à participação em determinada assembleia, a certo período de tempo ou ainda por prazo indeterminado, até que seja o instrumento cassado ou revogado.