Proprietário tem direito de alterar edificação sem anuência do arquiteto que fez o projeto


Kênio de Souza Pereira (*)

 

Imagine ser proprietário de um imóvel onde funciona um restaurante, o qual foi construído com base num projeto de um arquiteto que recebeu todo valor cobrado pelo seu trabalho. Anos após a conclusão da obra, o proprietário do restaurante, visando aumentar sua área de atendimento ao público constrói uma nova laje para melhor acomodação dos seus clientes.

Alguns dias após a finalização da reforma, o arquiteto comparece ao local e, perante dezenas de clientes sentados nas mesas do restaurante, faz várias ameaças ao proprietário dentre elas afirma que irá processá-lo porque você teria feito mudanças no “projeto dele”. O arquiteto afirma que “nada poderia ser alterado ou acrescentado no imóvel sem a autorização dele, e que nem mesmo outro arquiteto poderia fazê-lo, ainda que fosse a colocação de um simples toldo”.

            Este caso realmente ocorreu. O proprietário do estabelecimento sentiu-se constrangido perante os empregados e clientes, que tiveram uma impressão negativa da situação, e ainda ficou dias sem dormir, angustiado, por pensar que tinha feito algo ilegal diante das ameaças contundentes do arquiteto. Inúmeros são os casos de polêmicas sobre a forma de se alterar a edificação, pois raramente alguém aprofunda o conhecimento sobre a matéria e, por isso, posições equivocadas tomam força.

Vários são os casos de condomínios que ficam em dúvida se podem ou não alterar a fachada e demais áreas comuns, já que algumas pessoas, por não dominarem as várias leis aplicáveis a matéria, pensam que devem solicitar autorização ao arquiteto, como se este tivesse algum poder sobre a propriedade alheia.

DIREITO DE PROPRIEDADE VERSUS DIREITOS AUTORAIS

O direito autoral protege o trabalho intelectual do arquiteto, proibindo que o dono do imóvel venda o projeto para outra pessoa, mas não autoriza o arquiteto agir de forma arbitrária, pois sua ameaça constitui crime (art. 147 do Código Penal), sendo passível de indenização também por danos morais na esfera cível se realizada em público, como no relato acima.

Depois de terminada a obra, tem o proprietário o direito de alterar seu imóvel como bem desejar, já que não é refém de quem fez o projeto, pois o autor deste recebeu por seu trabalho. A Constituição Federal garante a todos o direito de propriedade, que pode ser exercido sem influências externas, desde que não prejudique os direitos de terceiros ou fira as normas de edificação previstas no Código Civil, bem como as posturas municipais.

Ao elaborar um projeto e vendê-lo ao dono do imóvel, o arquiteto não pode impedir as obras futuras no imóvel, o qual é sujeito ao acréscimo de benfeitorias, como também, à demolição, pois este pertence ao seu proprietário, e não ao arquiteto, conforme prevê o caput do art. 1.228 do Código Civil, “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.”

LIMITES DE PROTEÇÃO DA LEI

A lei protege o arquiteto ao proibir a modificação por terceiros do projeto não edificado, ou seja, proíbe a venda do trabalho intelectual específico, materializado. Assim, se um arquiteto X elaborou um excelente projeto de uma casa e algum tempo depois, outro arquiteto Y sugere algumas alterações no projeto, este não pode “assiná-lo” como se dele fosse.

Quem tem um imóvel exerce total autonomia sobre o que lhe pertence, da mesma forma que o dono de uma obra de arte pode destruí-la, o proprietário do prédio também poderá alterá-lo mesmo sem a autorização do arquiteto. Assim, um condomínio não tem que pedir nenhuma autorização a quem elaborou o projeto inicial para fazer as alterações no edifício, tendo plena liberdade de contratar quem bem entender. Seria absurdo o arquiteto que projetou um edifício ter o poder de impedir que o condomínio fizesse obras que viessem a modernizar ou melhorar a funcionalidade de uma moradia ou local de trabalho.  Noutro exemplo, o proprietário de um veículo pode equipá-lo e alterá-lo sem ter que pedir autorização à montadora; isso não viola o direito autoral, mas apenas modifica um objeto que lhe pertence.

 

IMPEDIMENTO PROPICIARIA  ABUSOS E MÁ-FÉ

Seria inviável que as alterações fossem permitidas somente com a autorização do arquiteto que elaborou o projeto inicial, pois essa condição vincularia o proprietário indefinidamente ao arquiteto que projetou a obra, o que resultaria em afronta ao direito de propriedade. Certamente, esta exigência acarretaria a uma situação propícia à chantagem, pois se o arquiteto que fez o projeto original fosse o único apto a fazer as alterações no prédio, este poderia cobrar valores absurdos, já que sem a sua anuência o proprietário ficaria impedido de fazer a nova obra. A ilógica dessa situação fica mais evidente, diante do fato de que o novo arquiteto possa ser mais competente do que o primitivo, e que este talvez esteja incapacitado de trabalhar diante de uma doença ou idade muito avançada.

Caso houvesse uma norma legal que impedisse que outro arquiteto fizesse um novo projeto ou alterasse um prédio já edificado, haveria uma verdadeira “guerra” entre a própria classe de arquitetos, pois seriam constantes as ações de indenização, por danos materiais e morais dos arquitetos que tiveram seus projetos supostamente “violados” por outro colega de profissão, sem a sua autorização.

Somente os imóveis tombados pelo Poder Público são juridicamente “imodificáveis”, podendo os órgãos competentes municipais e estaduais, autorizarem as reformas que forem pertinentes, o que não se aplica às demais edificações.

Portanto, o proprietário do imóvel pode alterá-lo a qualquer tempo, independentemente da autorização do arquiteto que o projetou, já que não há nenhuma lei que estabeleça essa restrição ao direito de propriedade.

Belo Horizonte, 28 de novembro de 2013.

Kênio de Souza Pereira

Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG.

Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis –BH-MG

Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do SECOVI-MG

Representante em MG da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário

Árbitro da CAMINAS – Câmara de Arbitragem Empresarial de MG.

e-mail – keniopereira@caixaimobiliaria.com.br – (31) 3225-5599