Exercer Direito não se confunde com um crime de “ameaça”

Exercer Direito não se confunde com um crime de “ameaça”

Por Kênio de Souza Pereira

 

Na realização das assembleias gerais nos condomínios percebe-se que muitas pessoas deixam de expressar seu pensamento ou sua intenção com o receio de vir a configurar um crime de ameaça ou outro ilícito. Ignoram que qualquer pessoa tem o direito de esclarecer que se o devedor não pagar a quota de condomínio será executado judicialmente e caso ele não cumpra a ordem judicial, o condomínio solicitará a penhora do imóvel e esse será leiloado para pagar a dívida.

 

Da mesma forma, dizer para o vizinho que se ele insistir em fazer barulho de madrugada será multado e que chamará a polícia, tais afirmações não configuram nenhum ilícito ou ameaça. São simplesmente exercício regular de um direito, devendo ser visto como um ato benéfico comunicar a situação e sua consequência para o devedor ou o infrator.

 

Há indivíduo, talvez por ser altamente sensível e nunca ter sido contrariado, que se ofende com qualquer observação ou crítica sobre sua conduta que afronta o direito alheio. Percebemos nas reuniões condominiais que as pessoas, e até mesmo alguns profissionais da área, desconhecem o significado da palavra “ameaça”, pois a confundem com o exercício legal do Direito, que é consagrado pela Constituição da República.

 

Ameaça – O crime de ameaça, previsto na lei, ocorre somente quando o mal prometido é injusto e grave, sendo claro ser justo cobrar de quem deve ou multar quem afronta a convenção e o regimento interno. O Código Penal prevê, no art. 147, que configura crime de ameaça aquele que “ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, a ponto de causar-lhe mal injusto e grave”.

 

Portanto, quando uma pessoa avisa que tomará uma medida mais rígida, como processar alguém em razão do não pagamento de uma dívida ou por alterar maliciosamente uma ata de assembleia, esse alerta não pode ser confundido com ameaça, muito menos ilícito penal. Assim, qualquer condômino ou seu procurador/advogado, ao ver que o síndico e/ou secretário estão adulterando ou subtraindo da ata o que foi dito em assembleia, e, tendo esse solicitado que fosse registrado, tem o direito de alertá-los que essa atitude abusiva consiste em crime de falsidade ideológica previsto no art. 299 do Código Penal.

 

E será importante frisar que no caso do síndico, se o presidente da assembleia e o secretário resolverem redigir uma ata fraudulenta, poderão ser processados, cabendo somente a quem cometeu o crime pagar seu advogado para defende-lo, pois é ilegal o condomínio assumir tais despesas.

A postura de alertar é correta, pois visa precaver a pessoa de que sua atitude irregular pode ser punida. O aviso é benéfico, pois tem o objetivo de evitar um choque ou prejuízo maior.

 

Assembleia – Portanto, há uma grande diferença entre “ameaçar” alguém e alertar que irá exercer legalmente o seu Direito. Cobrar de um devedor de maneira educada, inclusive no decorrer da assembleia que foi convocada para contratar um advogado para executar a dívida, consiste num regular exercício do direito. Essa conversa ocorre num local privado onde todos os participantes têm interesse direto, pois cada coproprietário está tendo que pagar a mais para cobrir a falta de caixa provocada pelo devedor.

 

Não tem o devedor, que sobrecarrega o valor da quota de condomínio dos vizinhos, o direito de ficar no anonimato, pois para que seja contratado um advogado que cobrará honorários que são expressivos, todos os coproprietários têm o direito de saber quem deve, qual a unidade, o período não pago e o valor da dívida, elementos esses essenciais para decidir sobre uma contratação de um processo judicial que gerará novos custos.

 

Exemplos – Situação diversa, que consiste numa ameaça, é um condômino dizer que irá invadir o terraço do edifício e construir uma cobertura numa área comum, pois o ato de invadir é um ilícito penal, além de ser ilegal edificar, sem prévia autorização, numa área que pertence à coletividade.

 

O credor que possui cheque sem fundos não comete o crime de ameaça ao alertar o devedor que fará o protesto do título no cartório, a execução do cheque e até a penhora dos bens do devedor em juízo, pois isso é um direito. Porém, o credor não pode, por exemplo, tomar os bens à força para pagar a dívida, sem uma ordem judicial, pois este ato configura crime de exercício ilegal das próprias razões, previsto no artigo 345 do Código Penal, que assim dispõe: “Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite”.

 

O locador tem o direito de reaver a posse da sua casa locada, após o vencimento do prazo determinado do contrato de locação, podendo propor ação de despejo por “denúncia vazia”. Portanto, dizer que irá despejar o inquilino, estando a locação vigorando por prazo indeterminado, não configura ameaça, ao contrário, pode até ser bom para o inquilino saber, com maior antecedência, que deverá procurar outro imóvel. Entretanto, fazer o despejo a força, contra a vontade do inquilino e sem o respaldo de um processo que resulte numa ordem judicial é um ato irregular.

 

Portanto, é direito do credor ou da pessoa que foi afrontada avisar que tomará as medidas cabíveis para evitar seu prejuízo. Não é lógico o receptor da mensagem achar que pode fazer o que bem entende e ainda se “sentir ofendido” ou exigir que ninguém o alerte das consequências de sua inércia ou atitude abusiva. Pessoas educadas e inteligentes ouvem e antes de retrucar, refletem. Se não quer que o seu erro apareça, não deixe acontecer. Basta cumprir seu dever e a lei.

 

* Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis – Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG – kenio@keniopereiraadvogados.com.br