Reforma no apartamento durante a pandemia

Reforma no apartamento durante a pandemia

Por Kênio de Souza Pereira

 

Pode? Quais os limites? Devemos conciliar o direito à vida e o de propriedade.

 

Em decorrência da pandemia as pessoas passaram a adotar medidas de prevenção para evitar o contágio da Covid-19. Os condomínios foram surpreendidos por essa situação que gerou grande preocupação diante da realização de reformas nos apartamentos, salas e lojas, obras essas que acarretam elevada movimentação de engenheiros, arquitetos, bombeiros, pintores, eletricistas, técnicos e operários.

 

O Código Civil estabelece que compete ao síndico praticar os atos necessários à defesa dos interesses comuns, mas certamente não há dispositivo legal e nem convencional que preveja que ele terá poderes para impedir a realização de obras no interior das unidades. Diante disso, consiste numa arbitrariedade o síndico, que não tem domínio das questões jurídicas e de engenharia, impedir que o proprietário ou o inquilino reforme o apartamento ou unidade comercial de maneira que essa se torne apta a atender as necessidades de quem a ocupará.

 

É importante compreender que inúmeras reformas, em especial, nos apartamentos que demandam mais detalhes, já estavam em andamento bem antes de março de 2020, ou seja, os proprietários já tinham gastado valores expressivos com projetos, assinado contratos e realizado pagamentos a empreiteiros, empresas e demais técnicos, além de comprado materiais para a realização da obra.

 

Paralisar uma obra significa prejuízos com os custos com a mão de obra que para retornar será mais cara, com a perda de materiais ou de oportunidades e ainda com o prolongamento do tempo sem o imóvel ser utilizado, gerando a necessidade de pagar o aluguel em outro lugar, bem como arcar com IPTU e taxas de condomínio de um imóvel fechado.  Para agravar a situação e aumentar o prejuízo, que poderá vir a ser objeto de uma ação de indenização, há ainda a incerteza de quanto tempo demorará a pandemia de maneira que possa vir a ser suspensas as medidas de prevenção e de afastamento.

 

Barulho – Inúmeros foram os casos de moradores que por não suportarem ruídos que ocorrem em qualquer obra (marteladas, makitas, furadeiras, raspagem e polimento de pisos), aproveitaram a orientação de isolamento na pandemia para reclamar da reforma que, em muitos casos, é necessária para restabelecer a condição de moradia. Muitas obras, como a troca de encanamentos, de fiação e quadros de energia são necessárias para evitar danos aos demais vizinhos, como infiltrações ou o risco de incêndio em decorrência de curto circuito.

 

É natural que, diante da população passar a ficar mais tempo em casa, muitas vezes estudando e trabalhando, aumentou a grau de sensibilidade, pois os ruídos incomodam quem precisa produzir e prestar atenção para assimilar conhecimento. Todavia, o direito ao sossego exige um pouco de tolerância, tendo em vista ser impossível realizar reformas sem gerar ruídos ou poeira.

 

Discriminação – A principal justificativa que alguns síndicos utilizam para tentar impedir as reformas é que deve ser evitada a circulação de pessoas não moradoras pelas áreas comuns para reduzir os riscos de contágio da Covid-19.

 

Consiste num argumento interessante, mas se mostra frágil por não existir nos edifícios a proibição ou limitação de visitantes, faxineiras diaristas, babás, empregados em geral ou de qualquer outra pessoa. Será que somente os moradores e seus amigos/prestadores de serviços estão isentos de serem portadores do coronavírus?

 

Se refletirmos, veremos que o caráter discriminatório é ilógico. Qual a diferença entre a empregada ou faxineira em relação ao pedreiro? Será que a visita é mais saudável e o eletricista/pintor são fatores de risco de contaminação? Qual a diferença entre essas pessoas, as quais se dirigem para permanecer dentro de um apartamento que é propriedade exclusiva? Entendemos que não há nenhuma diferença.

 

Deveres – Logicamente, cabe a quem executar a obra procurar um entendimento no condomínio, de maneira a iniciar os movimentos que gerem ruídos após, por exemplo, 9 horas da manhã e que cessem às 17 horas. É importante que o proprietário do apartamento procure verificar com os vizinhos e a administração o que deverá fazer para reduzir os incômodos, devendo se abster de gerar ruídos ou movimentação de obra nos feriados e finais de semana, sendo fundamental limpar diariamente os corredores, halls e elevadores que estiverem sendo utilizados pelos operários.

 

Poderá o condomínio exigir que os operários e técnicos ao entrarem em saírem do apartamento, bem como ao circularem pelo elevador e corredores que façam com o uso de máscara, mediante a higienização com álcool 70º e que o uso do elevador seja com menor número de pessoas.

 

Lugar do outro – Devemos entender que a atividade de construção civil é considerada essencial, ou seja, as obras em geral continuaram sendo executadas em todas as áreas. Quanto aos edifícios já habitados, os técnicos e os operários que executam uma reforma não ficam circulando constantemente pelas áreas comuns, pois apenas entram no edifício de manhã e saem ao final da tarde, devendo ser exigido que eles adotem todos os cuidados já mencionados. A realidade é que os operários ficam dentro do apartamento e nesse local não colocam em risco os moradores, sendo temerário o condomínio criar uma situação que impeça que o apartamento que está vazio venha a ser ocupado, pois é normal um novo comprador ou inquilino fazer alguma reforma que pode ser essencial para que a família venha a ocupa-lo.

 

Quanto aos vizinhos é compreensível a preocupação em evitar riscos, sendo que cabe a eles tomar os devidos cuidados, da mesma forma que fazemos quando vamos ao supermercado, à farmácia e ao entrarmos nos transportes públicos. O Direito é muito complexo, podendo ser interpretado de várias formas conforme as particularidades do caso concreto.

 

Para compreender o outro lado, seria interessante que o vizinho que reclama da obra se colocasse no lugar do proprietário que está com o apartamento fechado, pagando condomínio e IPTU, tendo ainda que pagar o aluguel do local que se encontra.  Se as reformas e obras fossem impedidas, como se sustentariam as famílias desses trabalhadores?

 

Na prática, impedir as pessoas de entrarem no edifício que para acessar um apartamento, será uma medida eficaz que justifica o risco de o proprietário requerer em juízo uma possível indenização contra o condomínio pelos prejuízos decorrentes de ter que pagar IPTU e taxa de condomínio do apartamento vazio, além do valor do aluguel que deixaria de pagar a terceiros se pudesse terminar a obra?

 

Tempo – Cabe à pessoa refletir: quanto tempo essa pandemia permanecerá? Pois, a reforma terá que ser feita um dia e, caso o condomínio venha a impedi-la, estaria disposto a pagar a indenização ao proprietário pelos custos de manter o apartamento fechado durante quantos meses? Caso positivo, poderia então negociar com o proprietário, pois este certamente não aceita arcar sozinho com os ônus decorrentes do receio de alguns.

 

Enfim, os riscos de impedir um apartamento de ser reformado para que possa ser utilizado, são tantos, que se mostra mais sensato orientar os operários para que cumpram as determinações do condomínio, da mesma maneira que os demais moradores, sendo inviável o síndico assumir tais riscos. Exceto de ocorrer problemas graves que geram risco inaceitáveis deverá a assembleia votar por sua paralização, caso as normas preventivas não sejam cumpridas.

 

Há muitos processos judiciais em andamento que discutem essa questão, tendo surgido em decorrência da falta de diálogo e do egoísmo que desestimula a buscar do entendimento.

 

*Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG – Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis – Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário MG e do Secovi-MG – kenio@keniopereiraadvogados.com.br