Por André Resende – Jornalista
Publicada em 30/06/2025
Com diálogo, regras claras e liderança equilibrada, ferramenta pode ser aliada da boa convivência.
Na tela do celular, um simples comunicado sobre o recolhimento de entulho virou o estopim de uma discussão acalorada que se arrastou por mais de duas horas. No grupo de WhatsApp do condomínio, moradores não apenas divergiram sobre a medida, como aproveitaram a brecha para reacender antigas desavenças, sugerir a renúncia do síndico e até discutir política nacional.
“Quando cheguei à assembleia da semana seguinte, percebi que o grupo tinha virado um campo de batalha. O clima estava carregado, com olhares atravessados e gente se negando a ouvir”, lembra a síndica profissional Renata Pires, que administra oito condomínios na região metropolitana do Rio de Janeiro. O episódio, embora desgastante, está longe de ser um caso isolado.
Com a popularização dos aplicativos de mensagens como ferramenta de comunicação condominial, os síndicos passaram a enfrentar o desafio de gerenciar não apenas questões administrativas, mas também os conflitos emocionais e ideológicos que emergem nesses espaços.
“O WhatsApp é útil, mas precisa ter regras claras. Caso contrário, o que era para ser uma ferramenta de agilidade vira combustível para a discórdia”, alerta Renata.
Sem filtro – A psicóloga Luciana Costa, que atua com treinamentos para administradoras condominiais, observa que a tensão nos grupos digitais costuma transbordar para as assembleias.
“Muitas vezes, o que vemos em reuniões presenciais são ecos de conflitos não resolvidos ou mal interpretados no ambiente virtual. As palavras escritas não carregam tom de voz, nem expressão facial, o que favorece interpretações equivocadas e ataques indiretos”, analisa.
A recomendação da especialista é que o condomínio estabeleça uma política clara para o uso desses grupos — de preferência, aprovada em assembleia e com regras acessíveis a todos os moradores. Após o episódio de confusão em seu condomínio, foi exatamente o que fez a síndica Renata Pires: criou um regulamento digital com diretrizes objetivas.
“O grupo passou a ser restrito a comunicados oficiais, os comentários são limitados a horários específicos e temas alheios à rotina do prédio, como política ou religião, são expressamente proibidos”, explica.
Ela também adota uma conduta cuidadosa ao responder demandas mais delicadas. “Eu deixo claro que o grupo é uma ferramenta de gestão, não uma praça pública. E sempre que preciso responder algo mais sensível, faço isso em mensagem privada para evitar efeito manada. É preciso ter sangue frio. Se um morador está exaltado, ele quer palco. Quando não damos esse palco, a tensão esfria. Em alguns casos, marco um café informal para resolver fora do celular. O olho no olho ainda é o melhor caminho”, orienta.
Aprendizado – Moradores também estão, aos poucos, aprendendo a conviver nesse novo ambiente. A fisioterapeuta Ana Lúcia Barros, que mora há 15 anos no mesmo edifício, conta que já saiu e voltou para o grupo três vezes. “Ficava cansada das brigas. Agora entendi que, se todo mundo respeitar o espaço, funciona. E quando tenho uma crítica, prefiro mandar direto para o síndico”, diz.
Em tempos em que a comunicação digital se tornou parte inseparável da vida em condomínio, saber usar bem as ferramentas é um diferencial importante. Com diálogo, regras claras e a consciência de que o grupo é uma extensão da convivência real, síndicos podem transformar o WhatsApp de vilão a grande aliado da boa gestão.
Confira orientações práticas que ajudam síndicos e moradores a transformarem o grupo de mensagens em uma ferramenta eficiente e pacificadora:
Defina o objetivo: deixe claro que ele serve para comunicados e informações úteis à gestão do condomínio, e não para debates pessoais, desabafos ou opiniões políticas e religiosas.
Aprove em assembleia: isso dá legitimidade às regras e reduz questionamentos. Inclua orientações sobre horários, tipos de mensagens permitidas e consequências em caso de desrespeito.
Restrinja mensagens: grupos com todos os moradores devem ter a participação ativa apenas da administração ou moderadores, com horários pré-definidos para eventuais comentários.
Cuidado nas respostas: se uma mensagem for ofensiva ou provocativa, espere antes de responder. Se necessário, resolva por mensagem privada ou agende uma conversa presencial.
Boas práticas: vale enviar um comunicado explicando como uma comunicação mais respeitosa ajuda toda a comunidade.
Linguagem clara e neutra: isso reduz o risco de mal-entendidos.