Por André Resende – Jornalista
Publicado em 30/06/2025
Na guarita de um condomínio na zona oeste de São Paulo, o porteiro Marcos Ferreira, de 48 anos, não desgruda os olhos das três telas de monitoramento posicionadas à sua frente. Essa é a realidade de muito porteiros brasil a fora.
“A gente não abre mais o portão só olhando no olho. Agora, tudo passa pelo reconhecimento facial ou QR Code. Mas isso não quer dizer que relaxamos na segurança”, afirma ele, que atua há 12 anos na profissão e já viu de tudo – de moradores esquecidos a tentativas sutis de invasão.
Com o crescimento dos condomínios-clube e a chegada da automação, o trabalho dos porteiros mudou drasticamente. Se antes bastava o bom senso e a simpatia para lidar com moradores e entregadores, hoje é preciso também lidar com sistemas eletrônicos, aplicativos de acesso remoto e, sobretudo, manter a vigilância diante das novas formas de golpe.
Só autorizado entra – “A tecnologia ajuda, mas não substitui o olhar atento”, explica Gilmar Rodrigues, gerente de operações de uma empresa de portaria em tempo real que presta serviço para mais de 40 condomínios em São Paulo e no Rio de Janeiro. Segundo ele, os treinamentos agora incluem módulos sobre comportamento suspeito, abordagem sem confronto e uso de softwares de controle de entrada. “A regra número um continua valendo: só entra quem está autorizado. Mas, agora, isso passa também por saber interpretar o sistema. Um visitante pode ter o QR Code, mas estar agindo de forma estranha. Cabe ao porteiro perceber isso”, avalia.
Com o crescimento dos serviços de entrega por aplicativo, a portaria se tornou uma espécie de “guichê” de conveniência. Diariamente, chegam dezenas de motoboys, encomendas de supermercado, lavanderia, farmácia e pet shop. “Teve uma semana em que contei 132 entregas”, relata Marcos Ferreira. “Precisei separar horários de pico, criar uma espécie de triagem para evitar acúmulo de gente na frente da portaria. E sempre mantendo a segurança.”
Segundo ele, o maior desafio não é a quantidade de entregas, mas a insistência de alguns moradores em flexibilizar as regras. “Tem morador que quer que o porteiro vá até o apartamento levar o pacote, ou que deixe o entregador subir sozinho. Isso não pode. As normas são para proteger todo mundo, inclusive quem mora sozinho e nem imagina o que pode acontecer se alguém mal-intencionado entrar.”
Filtro – Para o especialista em segurança condominial Márcio Nascimento, a função do porteiro hoje é estratégica. “Ele é o filtro de acesso e o primeiro agente de prevenção. Por isso, precisa ser valorizado e treinado constantemente”, explica. Ainda de acordo com Márcio, síndicos e administradoras devem incluir os porteiros em todos os ciclos de atualização de procedimentos. A valorização da categoria também passa pelo reconhecimento.
A rotina intensa, o contato direto com todos os tipos de público e a responsabilidade de ser a linha de frente da segurança exigem mais do que apenas simpatia e pontualidade. “É um trabalho que mistura tecnologia, bom senso e coragem. A gente pode não aparecer muito, mas estamos sempre atentos”, resume Marcos. Em tempos de condomínios inteligentes, o porteiro se reinventa, sem perder o instinto de guardião. E isso, por mais que a tecnologia evolua, continua sendo insubstituível.