Moradias coletivas nos apartamentos geram insegurança e desvalorização no condomínio

Moradias coletivas nos apartamentos geram insegurança e desvalorização no condomínio

Publicada em 07/05/2025

 

Por Kênio Pereira – Diretor Regional de MG da Associação Brasileira dos Advogados do Mercado Imobiliário – Conselheiro do SECOVI-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG – kenio@keniopereiraadvogados.com.br

 

O aumento do custo de vida e a alta dos preços dos aluguéis nos centros urbanos têm afastado muitas pessoas da possibilidade de residirem próximo ao local de trabalho ou estudo. Como reflexo, cresce a prática da locação coletiva de apartamentos de grande porte, que passam a funcionar como verdadeiras pensões, muitas vezes com ocupação simultânea de até 15 moradores, muitas delas em regime rotativo.               

 

O problema vai além do incômodo típico de repúblicas estudantis: trata-se de um modelo de exploração imobiliária que desvirtua a finalidade residencial dos imóveis, infringindo regras condominiais e gerando sobrecarga nas áreas comuns, além de afetar diretamente a segurança e sossego dos demais moradores.

 

De acordo com o IBGE, a família brasileira média é composta por um casal com 1,6 filhos. Isso significa que um apartamento projetado para abrigar quatro pessoas passa a comportar 15, provocando aumento expressivo nas despesas condominiais (água, energia elétrica, gás, elevadores), no desgaste das instalações e na insegurança diante da rotatividade dos ocupantes que impossibilita o controle de quem realmente mora no apartamento.

 

 

Omissão

 

A proliferação dessas moradias coletivas muitas vezes é favorecida pela omissão de síndicos e administradores. O receio de confrontar os inquilinos ou a resistência em investir na contratação de um advogado especializado em Direito Imobiliário contribuem para a falta de ações eficazes. Enquanto isso, jovens e trabalhadores continuam buscando opções centrais, próximas ao serviço, escolas, comércio e transporte, o que torna o modelo mais atrativo, especialmente pela economia com deslocamentos.

 

Com o aumento do valor dos aluguéis residenciais que subiram entre 16 a 20% nos últimos 12 meses – quatro vezes a inflação – muitas pessoas estão se profissionalizando na locação coletiva de apartamentos, ou seja, se tornaram empreendedores na exploração comercial de apartamentos de quatro quartos, com área ampla para fracioná-los em múltiplos cômodos menores, cobrando cerca de R$1.800,00 por espaço. Para muitos interessados, isso representa uma economia frente ao custo de R$4.000,00 ou mais em um apartamento individual, considerando despesas com aluguel, IPTU, condomínio e energia elétrica, internet e limpeza.

 

Tendência

 

O uso comercial de imóveis residenciais, especialmente em condomínios, vem crescendo. Com o aumento do custo de vida, casas e apartamentos são sublocados em cômodos, com alta rotatividade de moradores e consequente sobrecarga de elevadores, aparelhos da academia, piscina, espaço gourmet, demais instalações comuns, além do consumo maior de água e gás.

 

Há casos em que um mesmo empreendedor administrar vários apartamentos, especializando-se na defesa e enfrentamento das tentativas do síndico de coibir a prática. O objetivo é simples: maximizar lucros, mesmo que as custas do bem-estar coletivo.

A situação tem se tornado tão comum que várias imobiliárias são indagadas pelo pretendente à locação se o locador autoriza a ocupação coletiva, de forma a elaborar um contrato que permite as adaptações no imóvel locado sem o risco de infração ao contrato. Entretanto, a maioria recusa esse tipo de locação, mas tem aumentado o número de inquilinos que infringem o contrato e convenção ao explorarem a locação de quartos compartilhados para obterem uma renda extra.

 

 

Lucro

 

Vários são os edifícios antigos, com amplos apartamentos que têm dificuldade de serem locados por estarem desatualizados, ficando o locador ansioso para se livrar do pagamento do IPTU e da taxa de condomínio. Muitos locadores não se importam em criar angústia para os demais condôminos ao locar seu apartamento para mais de quinze ocupantes, pois o que importa é receber o aluguel.

 

Com apartamentos ocupados por mais de 15 pessoas, o controle de acesso se torna inviável e a segurança dos demais moradores é prejudicada. Portarias virtuais perdem a eficiência quando senhas são compartilhadas entre moradores rotativos e seus visitantes. Em condomínios com porteiros físicos, o reconhecimento dos ocupantes é comprometido.

 

Um síndico relatou a presença de 17 pessoas residindo em um apartamento de dois quartos. Como exemplo, no site WebQuarto, considerando apenas o centro de Belo Horizonte tem 36 quartos ofertados, sendo alguns divididos para duas pessoas no mesmo quarto.

 

Não raro, a reclamação do síndico ao locador é ignorada, e a ausência de medidas jurídicas efetivas faz com que a situação perdure. O locador, focado no recebimento do aluguel, só toma providências diante de ação judicial, já que procura manter a locação para não perder o aluguel e ter que arcar com o IPTU e a quota de condomínio.

 

Desvalorização

 

A permanência desse cenário resulta na desvalorização do prédio como um todo.  Famílias deixam de considerar a aquisição de unidades em edifícios transformados em um pensionato desorganizado, sem dono, pois o empreendedor se limita a receber os aluguéis dos quartos, às vezes de vários apartamentos, não ficando no prédio para realizar qualquer controle.

 

Em um caso recente, um apartamento de 340m² em área nobre do centro de BH foi vendido por R$350 mil abaixo do valor de mercado após um empreendedor instalar sua terceira moradia coletiva no mesmo edifício.

 

O síndico que nos procurou para ajuizar a ação e vetar essa situação, contou que o vendedor do apartamento já estava desgastado com o tumulto no prédio e realizou a venda em valor abaixo do mercado para se livrar dos aborrecimentos.

 

Solução jurídica – Essa situação não é novidade. Em grandes cidades como Nova York o alto custo de moradia também levou ao surgimento de modelos similares, como o “coliving”. Os apartamentos antigos, projetados para a classe média na área central são transformados em moradias coletivas. A diferença é que, em outros países, a legislação regula e limita tais práticas.

 

No Brasil, os condomínios devem revisar suas convenções e, se necessário, promover sua atualização mediante deliberação de 2/3 dos condôminos, coibindo repúblicas e impedindo o fracionamento dos apartamentos.

 

É essencial contar com assessoria jurídica especializada para elaborar cláusulas eficazes, que possam ser validadas judicialmente, conferindo segurança à coletividade condominial, reestabelecendo a ordem e evitando a venda dos apartamentos por preço baixo.

 

Multas podem ser aplicadas ao inquilino ou ao locador conivente, com fundamento nos dispositivos do Código Civil e da própria convenção de condomínio que proíbem o uso nocivo da propriedade e o desvirtuamento da finalidade residencial.

 

A inércia, por outro lado, tende a consolidar a irregularidade, encorajando a formação de verdadeiros cortiços verticais, diante da ausência de profissionalismo no combate a essa irregularidade que exige várias providências para possibilitar o despejo, impedir os riscos à segurança e a desvalorização que poderá ser irreversível.

 

Conclusão – Em alguns casos o infrator leva a melhor por investir na sua defesa, pois obtém lucro elevado ao promover as habitações coletivas que estão tomando conta de alguns edifícios nos quais os condôminos não se uniram para evitar o pior.

 

A prevenção e o enfrentamento dessa prática exigem profissionalismo, planejamento e decisão coletiva. Os custos de uma ação judicial são irrisórios quando comparados à perda do valor patrimonial dos apartamentos e à degradação do ambiente condominial. Tudo tem solução: é preciso apenas agir com conhecimento e firmeza.