A arte de ser síndico

A arte de ser síndico

Em tempos de pandemia, temos um novo desafio dentro dos condomínios: a difícil tarefa do síndico em conseguir controlar os anseios dos condôminos sem ferir os valores e garantias individuais

            Fomos pegos de surpresa! Pois bem, se para todos está sendo difícil exercer o respeito ao próximo com esse tal de “distanciamento social”, imaginem para aqueles que têm a árdua missão de zelar pela coletividade de um condomínio?

Voltemos um pouco no tempo, dando um passo atrás ao “novo normal”. Dentro de todas as dificuldades ordinárias, ou melhor, rotineiras, de se administrar um condomínio, agora há a questão da “Covid-19”, problema mundial, diga-se de passagem, portanto, não é algo “especial” que afeta apenas seus vizinhos de bairro, vale repassar aqui que muitas competências do síndico estão previstas no art. 1348 do CC, como por exemplo “representar, ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em juízo ou fora dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns”. E agora, temos essa atual realidade, de tomada de decisões por vezes impopulares, as quais visam apenas o bem comum. Não há mais a preocupação com o barulho vindo do apartamento vizinho, ou a sujeira provocada por animas domésticos. Agora a ordem é preservar a vida. Mas sempre é bom ressaltar que cada apartamento comporta uma família que possui seus valores, suas expectativas, seu universo particular. As atuais medidas sanitárias colocaram em evidência “tais universos”, pois todos foram obrigados a conviver quase que 24h no condomínio. Caos anunciado. E quem é o maestro eleito para orquestrar essa desafinada sinfonia? Sim, o temido, odiado, algumas vezes amado, mas sempre admirado, síndico! A ele, amigos leitores, toda nossa reverência.

As individualidades impostas, de uma hora para outra são: filhos estudando em casa, pais, sem qualquer habilidade específica para lecionar tendo que ensinar, pais sendo obrigados a trabalhar em home office, ao lado dos mesmos filhos que precisam estudar em casa, pais sendo demitidos e entrando em desespero pela falta de perspectiva, adolescentes sendo privados dos amigos de escola e das aguardadas baladas, solteiros longe de seus “crushes” e tudo isso com restrição nos elevadores. Por isso que nessa hora de reflexão me vem à mente um trecho do famoso livro “Triste fim de Policarpo Quaresma”: “olha-se para ele com o ódio dissimulado com que o assassino plebeu olha para o assassino marquês que matou a mulher e o amante. Ambos são assassinos, mas, mesmo na prisão, ainda o nobre e o burguês trazem o ar do seu mundo, um resto da sua delicadeza e uma inadaptação que ferem o seu humilde colega de desgraça”. Mas pior do que impor normas de proteção condominial é saber o momento certo de relaxar as regras de convívio social. Calma, a intenção do texto é um chamado, para que todos os moradores civilizados de seus condomínios, incluindo o síndico, nosso grande herói tenham nessa pandemia a compaixão pelo próximo, sabendo-se colocar no lugar do outro. Temos a obrigação de antes de julgar o próximo imaginar o que ele está passando e sofrendo, todos temos nossas dores e aflições. Amor, compreensão, gentileza são atitudes fundamentais para o bom convívio, além de serem forças motrizes capazes de (i) confortar aqueles que passaram pelo vale da morte e (ii) alimentar a esperança de que dias melhores estão por vir.

Por fim vale citar uma passagem do livro “Sapiens – Uma breve história da humanidade”, o qual registra que “o mito do Frankestein confronta o Homo Sapiens com o fato de que os últimos dias estão se aproximando depressa. A não ser que alguma catástrofe nuclear ou ecológica intervenha, diz a história, o ritmo do desenvolvimento tecnológico logo levará a substituição do Homo Sapiens por seres completamente diferentes que têm não só uma psique diferente como também mundos cognitivos e emocionais muito diferentes”. Bom, de minha parte eu ainda sou um eterno defensor da humanidade, minha crença na bondade humana e no respeito mútuo ainda superam quaisquer teorias conspiratórias. Vai entender.

Miguel Dante Machado escritor, professor, advogado e sócio da Machado & Iglesias Escritório de Advocacia.