Por André Resende – Jornalista
Publicado em 07/08/2025
Na rotina corrida do condomínio onde é síndica há cinco anos, Ana Beatriz Oliveira achava que tinha encontrado uma solução prática para agilizar pequenas decisões: consultar os moradores pelo grupo de WhatsApp antes de aprovar obras, como a pintura do hall ou a troca de lâmpadas decorativas. “Era rápido, o pessoal respondia na hora, parecia funcionar bem”, lembra. Até que, durante uma assembleia, um morador questionou a legalidade dessas votações digitais e pediu a anulação de uma despesa aprovada informalmente no grupo.
A discussão fez Ana Beatriz buscar orientação e descobrir que, apesar da praticidade, decisões tomadas exclusivamente por WhatsApp não têm validade legal segundo a legislação brasileira. “Foi um alerta importante. Eu percebi que estava assumindo um risco grande, inclusive de ter que devolver valores ao condomínio”, admite.
Só na assembleia – O advogado especialista em direito condominial Gustavo Matos explica que, pelo Código Civil e pela Lei nº 14.309/2022, que regulamenta as assembleias virtuais ou híbridas, as deliberações que envolvem obras, reformas e gastos precisam ser formalizadas em assembleia, com registro em ata. “O grupo de WhatsApp pode ser um canal de comunicação excelente, mas não substitui o quórum exigido pela lei. Aprovar obras pelo grupo, sem assembleia, não tem efeito jurídico e pode ser questionado judicialmente”, alerta Gustavo.
O também advogado especialista em direito condominial, Luciano de Oliveira, explica que em alguns casos, sobretudo se a convenção do condomínio deliberar especificamente sobre esse tipo de decisão informal, só após aprovação em assembleia convencional de forma unânime. “Consoante o disposto no art. 1.350 do Código Civil e entendimento do STJ, deliberações condominiais devem ocorrer em assembleias formalmente convocadas, com registro em ata. Votações por WhatsApp, desacompanhadas dos requisitos legais, carecem de validade jurídica. Excepcionalmente, podem ser aceitas se previstas na convenção e com manifestação inequívoca de todos. Ausente tal previsão, tais decisões podem ser anuladas judicialmente por vício formal e afronta ao devido processo condominial”, explica.
Lição – Depois do episódio, Ana Beatriz mudou completamente a forma de conduzir as decisões. Hoje, ela utiliza o grupo apenas para divulgar pautas, tirar dúvidas e preparar os moradores antes das assembleias virtuais, realizadas por plataforma própria, com registro de votos e gravação das reuniões. Para ela, a experiência trouxe um aprendizado que vale para qualquer síndico.
“A tecnologia ajuda muito, mas não pode atropelar o que diz a lei. O que parece ser só uma burocracia é, na verdade, proteção para todos, inclusive para quem está na gestão”, acrescenta.
Entre a agilidade do digital e a formalidade que garante respaldo jurídico, o segredo está no equilíbrio. “O WhatsApp aproxima, mas quem decide continua sendo a assembleia. É ali que o condomínio fala oficialmente”, conclui o advogado Gustavo Matos.