Por Cleuzany Lott – Especialista em Direito Condominial, Presidente da Comissão de Direito Condominial e Membro da Comissão de Direitos dos Animais da 43ª Subseção da OAB-MG em Governador Valadares, Membro da Associação Nacional da Advocacia Condominial (ANACON) e colaboradora do Jornal do Síndico
Publicado em 04/06/2025
Acaba de avançar na Câmara dos Deputados um projeto de lei que considero um marco importante — e necessário — para a convivência em condomínios. A Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência aprovou uma proposta que proíbe a aplicação de multas por perturbação do sossego quando os comportamentos barulhentos forem diretamente relacionados à deficiência da pessoa.
Mais do que uma questão legal, esse é um tema que mexe com a sensibilidade, o bom senso e, acima de tudo, a empatia.
O texto, que altera o Estatuto da Pessoa com Deficiência, reconhece algo óbvio para quem convive com alguém que tem Transtorno do Espectro Autista (TEA), paralisia cerebral ou condições neurológicas que afetam a regulação sensorial e emocional: há comportamentos que não são intencionais, nem voluntários, muito menos fáceis de controlar. E por isso, puni-los com multas — como se fossem uma escolha — é injusto, e frequentemente cruel.
O papel do condomínio
A proposta é também um recado importante para síndicos e administradores condominiais: já passou da hora de entender que inclusão não é só acessibilidade física, como rampas ou elevadores. É também a capacidade de lidar com a diferença, com o barulho fora do “padrão”, com a agitação inesperada.
Infelizmente, o que vemos na prática é o oposto. Famílias são frequentemente pressionadas, constrangidas e até coagidas a mudar de casa porque o filho autista vocaliza demais, ou porque a filha com paralisia cerebral tem episódios ruidosos. Essas famílias já enfrentam um dia a dia exaustivo — e ainda precisam lidar com olhares tortos e notificações no portão. É desumano.
Para os pais, um alívio
Para pais e responsáveis, o projeto traz um alívio: o reconhecimento, na lei, de que seus filhos não devem ser punidos por serem quem são. Mas isso não significa, e é preciso deixar isso claro, que tudo está liberado ou que qualquer comportamento será justificado.
Se a proposta for aprovada em definitivo, e virar lei, ela não será um passe livre para o caos. A isenção de multa só vale para os casos em que o comportamento está ligado diretamente à deficiência. Ou seja, o bom senso continua sendo indispensável. Onde for possível mediar, orientar, oferecer alternativas — deve-se fazê-lo.
Vizinhos
E aqui faço um apelo aos vizinhos intolerantes: nem todo barulho é sinal de descaso ou desrespeito. Às vezes, é apenas uma criança com TEA que não consegue dormir. Um adolescente com síndrome rara tentando se comunicar. Uma família tentando viver com dignidade em um espaço coletivo.
O incômodo é real, sim. Mas a convivência é uma via de mão dupla, e exige mais do que regras: exige compreensão. Não se trata de aceitar tudo, mas de aprender a diferenciar o que pode ser ajustado do que deve ser acolhido.
Não é banalização. É justiça.
Por fim, quero reforçar algo que o próprio relator do projeto, deputado Duarte Jr, destacou: esse projeto não banaliza o problema, não relativiza a perturbação do sossego, nem autoriza condutas abusivas. Ele apenas nos obriga a olhar para o outro com mais humanidade.
Ainda falta a análise pela Comissão de Constituição e Justiça e, depois, pelo Senado. Mas espero sinceramente que essa proposta avance. E que, mais do que virar lei, ela nos ajude a mudar a cultura de convivência em condomínios: de punição para acolhimento. De intolerância para empatia.
Porque viver em sociedade, no fundo, é isso: entender que nem sempre o silêncio é sinal de paz — e que o barulho de um pode ser o direito de existir de outro.
Como o síndico pode transformar o condomínio mais acolhedor para autistas
Comunicação Clara e Acessível – É essencial que o síndico mantenha uma comunicação clara e acessível, buscando sempre utilizar linguagem simples e objetiva. Para pessoas autistas, a compreensão pode ser favorecida quando as informações são transmitidas de forma visual, com o uso de imagens, gráficos ou painéis informativos.
Criação de Espaços de Calmaria – Para muitas pessoas autistas, ambientes ruidosos e agitados podem ser desafiadores. Por isso, é importante que o condomínio disponha de espaços de calmaria, onde os moradores possam se sentir confortáveis e relaxados.
Sensibilidade – A sensibilidade sensorial é uma das particularidades de muitas pessoas autistas. O síndico deve buscar equilibrar a iluminação e as cores utilizadas no condomínio, evitando excessos que possam causar desconforto.
Respeito à Privacidade – É fundamental que o síndico respeite a privacidade e a individualidade de cada morador autista. Evitar intromissões excessivas e respeitar a necessidade de espaço pessoal são atitudes que contribuem para um ambiente respeitoso e inclusivo.