Carro Elétrico: os problemas com o seguro do edifício e aumento dos riscos

Carro Elétrico: os problemas com o seguro do edifício e aumento dos riscos

Por Kênio de Souza Pereira – Consultor Especial da Presidência da OAB-MG;

Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Condominial da OAB Federal; Diretor Regional da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário; Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis – Tel. (31) 2516-7008 – kenio@keniopereiraadvogados.com.br

 Publicado em 03/09/2025

Com a popularização dos carros elétricos, muitos condomínios têm se deparado com polêmicas em torno da instalação de carregadores nas garagens. O que parece ser apenas uma modernização traz implicações muito mais complexas: além dos requisitos técnicos, a medida impacta diretamente a segurança do edifício, a cobertura securitária e a responsabilidade civil de moradores e do próprio condomínio.

 

Diversos prédios, entretanto, ignoram o dever de comunicar a seguradora sobre a instalação dos wallbox. Essa omissão pode resultar na negativa de indenização em caso de incêndio, sob o argumento de agravamento do risco que deveria ser informado, além de aumento do prêmio e exigência de contratações adicionais, sobretudo para danos elétricos.

 

Assessoria – O tema não se resume às seguradoras. Internamente, ele deve ser enfrentado em assembleias condominiais, o que por si só já representa um desafio. São dezenas de pessoas deliberando em pouco tempo, muitas vezes sem conhecimento técnico, e não é raro que o “achismo” se sobreponha à análise adequada, sendo ignoradas as características particulares de cada edifício.

 

O primeiro passo é pesquisar quantos condôminos estão realmente interessados em instalar carregadores wallbox e se estão dispostos a arcar integralmente com os custos. Em seguida, é fundamental avaliar a capacidade do sistema elétrico do prédio para suportar múltiplos equipamentos, pois, uma vez aprovada a instalação, não será possível restringir o uso a apenas alguns moradores.

 

Por essa razão, a análise da viabilidade deve contar com engenheiro civil, eletricista e advogado especializado, capazes de interpretar a convenção condominial, o Código Civil, a legislação municipal, bem como as normas técnicas da ABNT, as exigências do Corpo de Bombeiros e do CREA.

Sem essa assessoria multidisciplinar, o risco é que a assembleia aprove medidas inviáveis, abrindo espaço para conflitos, prejuízos e até ações judiciais.

 

Risco Estrutural – Essas discussões não são apenas burocráticas: há riscos concretos à estrutura física do edifício. Engenheiros e especialistas alertam que instalar carregadores em garagens subterrâneas ou sob lajes e pilares pode ser extremamente perigoso.Embora raros, os incêndios em baterias de lítio-íon são devastadores: podem atingir 1.000°C e durar mais de 12 horas, sendo muito difícil controlar o incêndio; produzem fumaça tóxica intensa, exigindo ventilação adequada; As estruturas de concreto no Brasil são projetadas para resistir a 300°C por duas horas; acima disso, há risco real de colapso estrutural.

 

Por isso, especialistas recomendam que os carregadores sejam instalados em locais abertos ou semiabertos, afastados de pilares e com ampla ventilação, para reduzir a concentração de gases tóxicos e facilitar eventual combate a incêndio.

 

Fontes – A gravidade do tema já foi destacada em diversas reportagens, vídeos e notas técnicas, que certamente serão utilizadas por seguradoras como fundamento para negar indenizações em sinistros milionários. Alguns exemplos relevantes:

  • Problemas no abastecimento de carros elétricos – Canal Cond TV.

https://www.youtube.com/watch?v=bNdkzQ5XrfI

O perito explica os riscos de incêndios em baterias e, no minuto 8, relata casos na Suécia e na Inglaterra onde garagens colapsaram devido à intensidade do fogo.

 

  • Incêndios em carros elétricos: o que as fabricantes estão escondendo.

https://www.youtube.com/watch?v=i3inJQV6TfA

 

  • Uma opção para incêndios em veículos elétricos? Deixe queimar – MIT Tech Review.

https://mittechreview.com.br/como-combater-incendios-em-veiculos-eletricos/?srsltid=AfmBOoqgA9gqrFUJGvnsP2cznrcxWFDlD29_gtQ8yVnNcYj27oT56e-f

 

  • Carro híbrido pega fogo enquanto carregava em garagem de casa.

https://www.youtube.com/watch?v=0alkOlxfF8A

 

  • Incêndios em carros elétricos na Coreia do Sul acendem alerta mundial – Jornal o tempo.

https://www.otempo.com.br/autotempo/2024/8/13/incendios-em-carros-eletricos-na-coreia-do-sul-acendem-alerta-mu

Mais de 140 carros foram destruídos na garagem subterrânea

 

  • Asiáticos proíbem carros elétricos em estacionamentos subterrâneos.

https://revistaoeste.com/mundo/asiaticos-proibem-carros-eletricos-em-estacionamentos-subterraneos/

 

  • CREA divulga nota técnica de recomendação sobre carregamento de carros elétricos em Sergipe

https://g1.globo.com/se/sergipe/noticia/2025/06/03/crea-divulga-nota-tecnica-de-recomendacao-sobre-carregamento-de-cargos-eletricos-em-sergipe.ghtml

 

Prejuízo – Apesar de os veículos a combustão terem, conforme especialista da ABNT, 12 vezes mais chance de incêndio, o fogo que envolve baterias de lítio é muito mais grave. Nos carros convencionais, o foco geralmente está no motor e pode ser controlado com extintores ou pela rápida ação dos bombeiros. Já nos elétricos, ocorre a chamada “fuga térmica”: o incêndio se autoalimenta, dura mais de 12 horas e exige dezenas de milhares de litros de água, o que normalmente é inviável em garagens subterrâneas. Há casos da bateria voltar a pegar fogo, podendo arder por dias, pois se auto alimenta.

 

Diante desse cenário, surge a pergunta: quem arca com os prejuízos? A maioria das apólices não cobre incêndios que atinjam simultaneamente vários veículos, sendo interesse verificar com a Cia. Seguradora, por escrito, se a apólice cobre danos estruturais decorrentes de incêndios da bateria e do carro elétrico.

A experiência comprova que diante do sinistro é previsível que o proprietário do veículo incendiado se recuse a indenizar os danos dos vizinhos, e, se não possuir patrimônio penhorável e de alto valor, o condomínio e os demais condôminos acabam ficando no prejuízo. Portanto, autorizar a instalação de carregadores em garagens cobertas exige muita reflexão, pois se ocorrer o azar de um incêndio vários apartamentos e veículos poderão ser destruídos. Isso é um fato e não achismo, conforme comprovam as matérias e as proibições impostas na China e demais países asiáticos (veja matérias nacionais nos links) que têm abafado esse temor, pois pode implicar em redução das vendas desses automóveis.

Exemplo emblemático ocorreu em Lisboa, onde mais de 200 carros foram destruídos após o incêndio de um veículo elétrico: https://www.youtube.com/watch?v=kMxg9dZERfc

A preocupação é tão séria que o CREA-SE publicou, em 3 de junho de 2025, uma Nota Técnica recomendando a proibição da recarga de veículos elétricos e híbridos em garagens internas ou subterrâneas de edifícios residenciais e comerciais, justamente para prevenir riscos estruturais e incêndios.

 

Conflitos – Para evitar disputas, especialistas recomendam que proprietários de veículos elétricos considerem a aquisição de apartamentos em edifícios já preparados para esse tipo de estrutura. Nos demais casos, é essencial que os condomínios estabeleçam regras claras em convenção para disciplinar o uso dos carregadores, evitando sobrecarga elétrica e impondo a obrigação de comunicar irregularidades para evitar acidentes.

 

Embora os veículos elétricos sejam seguros, condôminos que não usufruírem do benefício podem recusar-se a pagar taxas extras, cabendo aos interessados assumir integralmente os custos de instalação e manutenção, desde que respeitado o quórum legal de aprovação. Muitas vezes, será necessário remanejar vagas para que o carregamento ocorra em áreas abertas ou semiabertas, reduzindo riscos de acidentes.

 

Seguro – Todas as medidas devem ser tomadas previamente: contratação de Responsável Técnico (RT) especializado, escolha de empresa conceituada e adequação da apólice de seguro. Eventuais aumentos no prêmio devem ser arcados apenas por quem deu causa à nova situação. Além disso, é preciso planejar a infraestrutura elétrica de forma coletiva, já que, após a aprovação, outros condôminos também poderão aderir ao carregamento.

Em caso de incêndio, a responsabilidade pode ser subjetiva, nos termos do art. 186 do Código Civil, quando houver necessidade de comprovar culpa por negligência, imprudência ou imperícia. Porém, em determinadas situações, aplica-se a responsabilidade objetiva, prevista no art. 927, bastando a comprovação do dano e do nexo causal.

 

Nessa hipótese, o condomínio pode ser responsabilizado se ficar comprovado que não adotou infraestrutura adequada ou que autorizou a instalação sem criar e fiscalizar regras de segurança. Por outro lado, se ficar demonstrado que o incêndio foi causado pela conduta do proprietário do veículo, este poderá ser acionado diretamente pelo prejudicado ou por meio de ação regressiva do condomínio.

 

O problema é que, se o responsável não possuir patrimônio penhorável, o prejuízo pode recair sobre o próprio condomínio e demais moradores, sobretudo se os danos atingirem parte expressiva da estrutura do prédio. Por isso, a assembleia pode impedir a implantação dessa inovação.

 

A instalação de carregadores para carros elétricos em condomínios é uma realidade que não pode ser ignorada, mas exige planejamento técnico, jurídico e financeiro. Sem essa análise prévia, o risco de prejuízos milionários, negativa de cobertura securitária e conflitos internos é elevado.

 

Por isso, é indispensável que condomínios contem com a orientação de advogados especializados em direito condominial, além de engenheiros e eletricistas qualificados, para que a inovação seja implementada com segurança, legalidade e proteção para todos