Condomínio não é extensão da vontade individual

Condomínio não é extensão da vontade individual

Por Kênio de Souza Pereira – Consultor Especial da Presidência da OAB-MG; Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Condominial da OAB Federal; Diretor Regional da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário; Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis – kenio@keniopereiraadvogados.com.br

Publicado em 07/08/2025

É cada vez mais comum ver moradores tentando reformar o prédio porque suas circunstâncias pessoais mudaram. A chegada dos filhos pequenos desperta o desejo de ter playground. A troca do carro compacto por um SUV ou camionete leva à frustração com a vaga estreita. E ao nos tornarmos idosos passamos a desejar um elevador no prédio de apenas três andares. Em outros casos, o aumento do convívio social faz nascer a ideia de construir um espaço gourmet ou um salão de festas.

O problema é quando essas vontades se convertem em tentativas de alterar a estrutura do edifício, como se o edifício tivesse a obrigação de acompanhar as mudanças na vida de cada morador.

Mas não é assim que funciona. Condomínios possuem um perfil definido desde o seu projeto arquitetônico, com número de vagas, tipos de equipamentos coletivos e infraestrutura pensada para determinada proposta de uso. Quando o morador tenta mudar essa configuração para atender a seus novos interesses, desrespeita não só os limites físicos da edificação, mas também os direitos dos demais condôminos que escolheram aquele prédio justamente pelo que ele é.

Perfil – O mercado imobiliário oferece empreendimentos com as mais variadas configurações, justamente para atender a diferentes necessidades e estilos de vida. Há edifícios pensados para famílias com filhos, com ampla área de lazer, brinquedoteca, quadras, piscinas e salão de festas. Outros, mais compactos, voltados a quem busca silêncio, praticidade e um valor de quota de condomínio econômica. Há prédios sem elevador, sem portaria, com garagem limitada e estrutura reduzida, valorizados por moradores que não desejam gastos com manutenções ou áreas de lazer que, em alguns casos, são utilizados por uma minoria.

Quem escolhe viver em um prédio sem playground, por exemplo, em geral o faz por não ter filhos ou por valorizar o sossego. Do mesmo modo, quem adquire um apartamento com uma única vaga pequena está assumindo essa condição como parte da estrutura do imóvel. Isso precisa ser respeitado. Não se pode exigir que o condomínio acompanhe fases da vida dos condôminos, especialmente com alterações no projeto do prédio que o construtor jamais previu.

Conflitos – Em muitos casos, moradores tentam promover alterações nas áreas comuns sem considerar que isso altera o perfil arquitetônico e a própria natureza do edifício. A instalação de novos equipamentos, como churrasqueira, academia ou playgrounds, em espaços originalmente silenciosos, compromete a rotina de quem escolheu aquele local exatamente por não oferecer essas estruturas. Além do impacto físico, há a quebra da expectativa legítima de quem comprou o imóvel acreditando que aquelas características seriam preservadas. Certamente, o morador do primeiro andar que aprecia o sossego não compraria o apartamento se visse que está ao lado da academia, do salão de festas, do barulhento aquecedor da piscina ou da churrasqueira.

Do ponto de vista jurídico, a situação é ainda mais delicada. O Código Civil (CC) estabelece que mudanças nas partes comuns que alterem a destinação ou a estrutura do condomínio exigem aprovação em assembleia, com quórum qualificado. Entretanto, diante da autorização do art. 1.334, III, os condôminos podem determinar a necessidade de quórum unânime quando a alteração atingir a essência do projeto original. Inclusive, os quóruns já previstos nas convenções anteriores do CC, que consistem ato jurídico perfeito, prevalecem sobre os quóruns do art. 1.341 referentes a obras, pois passaram a existir somente com o Código Civil de 2002. No Brasil nenhuma lei pode retroagir, em respeito à Constituição Federal, art. 5º, inciso XXXVI que determina: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Cientes disso, muitas construtoras já têm adotado cláusulas convencionais mais rígidas, exigindo aprovação unânime para alterações que envolvam a estrutura ou a finalidade das áreas comuns. O objetivo é preservar o padrão do edifício e evitar disputas futuras. Essas cláusulas são juridicamente válidas e representam uma proteção ao interesse coletivo, blindando o condomínio contra pressões individuais disfarçadas de modernização.

Inovação – É fato que a maioria das convenções contém falhas na redação, gerando dúvidas que deveriam ser corrigidas por meio de uma rerratificação elaborada por um advogado especializado. Em vários casos os condôminos pecam ao imaginar que a maioria pode tudo, que a assembleia é soberana. Grande engano! Inúmeros condomínios são impedidos de realizar obras e inovações, mesmo que sejam do interesse de 95% dos condôminos.

Como exemplo, citamos o caso de um edifício com 100 apartamentos com interesse em criar 20 vagas de garagem que beneficiarão a todos. A assembleia aprova com 95 votos, mas dois condôminos votam contra porque a nova laje para cobrir as 20 vagas deixará seus apartamentos escuros, abafados e frios por impedirem o sol que torna a moradia confortável. Basta apenas um desses proprietários para impedir a construção ou inovação com base no Código Civil que proíbe qualquer obra, em partes comuns, em acréscimo às já existentes, que possa prejudicar a utilização de qualquer condômino, gerar dano à unidade ou às áreas comuns.

Garagem – A tentativa de justificar intervenções estruturais com base na mudança de veículo é um exemplo clássico de inversão de responsabilidade. A garagem foi projetada com dimensões compatíveis aos carros da época da construção. Na década de 1980, veículos como Monza e Del Rey eram considerados grandes e serviram de parâmetro para o dimensionamento das garagens residenciais. Com o tempo, os veículos aumentaram de tamanho, mas a estrutura física dos edifícios permaneceu a mesma. Hoje, sedãs, SUVs, e caminhonetes, superam as medidas utilizadas no século passado.

O fato de o carro atual não caber na vaga não autoriza o morador a invadir as áreas de manobras ou a limitar que o vizinho abra a porta do carro dele, muito menos a propor obras que afetem a estrutura do condomínio. Nesses casos, a escolha mais sensata é optar por outro modelo de automóvel compatível com a vaga disponível, ou, se isso não for possível, buscar um edifício que atenda às suas novas exigências, ou seja, com vagas mais amplas. O prédio não pode ser modificado para se ajustar à vida de cada morador. A lógica é o oposto: o morador é que deve verificar se o prédio corresponde às suas condições e expectativas.

Escolha – É legítimo que os interesses individuais mudem com o tempo. O nascimento ou o crescimento de filhos, a saída deles do apartamento para casar, a mudança de rotina, o crescimento do patrimônio pessoal são realidades comuns. No entanto, isso não confere ao morador o direito de alterar, por conveniência, a concepção de um condomínio que foi adquirido por diversos outros proprietários justamente por suas características originais.

A convivência em edifício exige respeito à coletividade e ao projeto aprovado. Forçar alterações que não estão previstas na estrutura original gera conflito entre vizinhos e, frequentemente, judicialização das decisões.

Há ainda o vizinho complicado e egoísta que após os filhos crescerem e saírem de casa, passa a sabotar a reforma do playground e da academia, briga se alguém jogar bola a noite na quadra ou insiste em manter a sauna fechada para economizar energia elétrica, pois não precisa mais por estar idoso e preferir ficar vendo Netflix.

Quando a necessidade pessoal se torna incompatível com o que o prédio oferece, mudar de residência pode ser mais razoável e respeitoso do que tentar impor adaptações a todo custo.