Sou subsíndica de um pequeno prédio de 8 aptos., antigo, estritamente residencial, com moradores idosos em todas as unidades. Um apto. foi vendido e o atual proprietário, que não mora no edifício, está alugando o apto. por temporada e para eventos, segundo o site onde está anunciado. A consequência disto é um total desassossego e insegurança com o grande trânsito de pessoas desconhecidas no prédio. A convenção proíbe o aluguel para república e temporada, mas na prática como impedir esta conduta? Há ferramentas para coibir esta atitude que causa tanto transtorno aos moradores? Agradeço e aguardo orientação. Salete
Prezada Salete,
Veja a matéria que foi publicada na edição de agosto de 2017 sobre este assunto.
Por Kênio de Souza Pereira –
Locação diária cria transtornos nos condomínios
Airbnb e outros aplicativos de hospedagem geram polêmicas entre os moradores
Estimulados pela demanda da Copa do Mundo de 2014, da Olimpíada de 2016 e diante da crise econômica que se agravou, constata-se o crescimento do volume de pessoas que decidiram alugar seu apartamento ou um quarto deste para turistas, por alguns dias, como forma de obter renda extra. Por não ser um hotel regulamentado o proprietário do apartamento anuncia a oferta em sites e em plataforma na internet que conecta viajantes com pessoas que desejam alugar um quarto ou imóvel, por temporada, como por exemplo o Airbnb que tem 65.000 propriedades divulgadas no mundo. Este modelo, que já funciona há anos no exterior, está causando grande discussão entre síndicos e proprietários. Estes alegam que seu direito de propriedade não pode ser limitado. Já os condomínios afirmam que essa locação prejudica a segurança do edifício, pois é dada a posse a um estranho que passa a ter acesso às dependências do prédio sem nenhuma avaliação ou cadastro prévio.
Negócio – A oferta funciona assim: pelo site o proprietário oferece um quarto ou o apartamento para hospedagem do turista, sendo o preço apresentado por diária. O turista seleciona quantos dias deseja se hospedar, realiza o pagamento e o proprietário recebe os valores das diárias, após abatidas as taxas decorrentes da intermediação de locação.
Conforme a Lei 11.771/08, que dispõe da Política Nacional de Turismo, este tipo de oferta configura hospedagem, por se tratar de serviços de alojamento temporários pagos por diária. Portanto, jamais o proprietário de um apartamento se enquadraria nessa norma legal, que exige cadastro e a observância de leis próprias, nos termos do art. 23, que estabelece:
“Art. 23. Consideram-se meios de hospedagem os empreendimentos ou estabelecimentos, independentemente de sua forma de constituição, destinados a prestar serviços de alojamento temporário, ofertados em unidades de frequência individual e de uso exclusivo do hóspede, bem como outros serviços necessários aos usuários, denominados de serviços de hospedagem, mediante adoção de instrumento contratual, tácito ou expresso, e cobrança de diária.”
Convenção – Considerando que a locação mediante pagamento de diária configura-se como serviço de hotelaria, sua prática fere a destinação residencial do edifício. Com isso, o condomínio pode impedir este tipo de negócio e multar o proprietário que o praticar.
Somente se a unanimidade da totalidade dos condôminos viesse a aprovar a alteração da convenção, passando a autorizar hospedagem diária, poderia vir a ser permitida esse tipo de ocupação, nos termos do artigo 1.351 do Código Civil. Nesse caso, o condomínio deixaria de ser residencial/familiar para se tornar um empreendimento comercial, como um apart-hotel ou hotel.
Após a aprovação unânime, o proprietário que desejasse locar seu imóvel neste modelo deverá ainda se adequar às exigências para prestação de serviços de hospedagem, que estão previstas na Lei 11.771/08 e no Decreto 7.381/10.
Código civil – Nos termos da Lei do Inquilinato, nº 8.245/91, a locação diária é regulada pelo Código Civil e pelas leis especiais, conforme artigo 1º da Lei do Inquilinato, que a enquadra entre os “apart- hotéis, hotéis – residência ou equiparados, assim considerados aqueles que prestam serviços regulares a seus usuários e como tais sejam autorizados a funcionar”.
Portanto, não pode o locador, para forçar o condomínio a permitir a hospedagem, alegar que a locação por meio do Airbnb seria aquela prevista no artigo 48 da Lei do Inquilinato, pois essa se destina “à residência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorrem tão-somente de determinado tempo, e contratada por prazo não superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel”. Na locação permitida pela Lei do Inquilinato, o prazo é mais longo, de no máximo 90 dias, o que difere bastante da locação diária.
Assim, a locação diária de apartamento ou de quarto não pode ser realizada em condomínios residenciais, exceto se for alterada a destinação do condomínio na convenção, o que é quase impossível diante da exigência do quórum unânime.
Entrada – O síndico pode impedir a entrada do hóspede, pois o Código Civil determina ser competência dele defender os interesses da coletividade e exigir o cumprimento da lei e da convenção. Consiste um dos principais deveres da administração zelar pela segurança e essa pode ser comprometida pela alta rotatividade de pessoas estranhas nas dependências do edifício.
Perdas e danos – O site que intermedia este tipo de transação, antes de publicar a oferta, deve conferir se a convenção de condomínio prevê expressamente a destinação comercial do edifício, caso contrário está oferecendo um serviço defeituoso.
Se a locação é realizada em edifício estritamente residencial, o consumidor estará sujeito a ter sua entrada barrada pelo síndico e suas férias frustradas. Caso isto ocorra, o site, bem como o locador, pode ser responsabilizado por danos morais e materiais nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista que ofereceu a locação ilegal.
Dessa forma, diante da análise das diversas leis que são aplicáveis a essa situação deve o proprietário do apartamento, caso deseje loca-lo, promover esse negócio nos termos da Lei do Inquilinato, a qual não permite a locação diária, pois condomínio não se confunde com hotel e nem apart-hotel.
*Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG – Professor da Escola Superior de Advocacia da OAB-MG – Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis keniopereira@caixaimobiliaria.com.br – Tel. (31) 3225-5599
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