Utilização do fundo de reserva em caso de Pandemia

Utilização do fundo de reserva em caso de Pandemia

O aumento da inadimplência das quotas condominiais gerado pela crise do Coronavírus permite ao condomínio a utilização do fundo de reserva para cobertura de despesas?

Inicialmente, você sabe que o condomínio deve possuir um fundo de reserva? Mas do que se trata esse fundo? Trata-se, na verdade, uma espécie de poupança do condomínio. Esse valor diferenciado será cobrado na forma determinada na Convenção, onde se pode definir um percentual sobre a contribuição arrecadada. Costuma ser utilizado para casos emergenciais ou para realização de obras que necessitem imediatamente de recursos, no intuito de garantir a tranquilidade dos condôminos.

De acordo com a alínea “j” do § 3º do art. 9º da Lei 4.591, de 1964, deverá conter na Convenção do Condomínio “a forma de contribuição para constituição de fundo de reserva”. Por sua vez, o Código Civil de 2002 institui que a convenção deve definir a forma de cobrança desse fundo, conforme inciso I do art. 1.334.

Ocorre que grande parte das convenções não detalha o limite a ser arrecadado e nem mesmo a forma como o fundo deve ser utilizado, mas tal omissão provoca dúvidas e gera problemas quando surge a necessidade de utilização dessa reserva. Nesse caso, cabe ao síndico convocar uma assembleia para deliberar e definir regras sobre o assunto.

No momento atual, essa questão vem sendo levantada com mais frequência em razão da pandemia causada pelo Coronavírus (COVID-19). É de conhecimento público e notório que não somente a área da saúde está sendo gravemente afetada. Os sistemas econômicos dos países atingidos estão sofrendo sérios abalos e inúmeras pessoas estão sendo diretamente atingidas, seja em decorrência da perda de um emprego ou da queda da renda ou dos gastos inesperados ou até de outros problemas que vêm surgindo em decorrência desta crise que entrará para a história.

Como consequência desse colapso, a inadimplência está aumentando, pois quem sofreu qualquer abalo em sua renda está priorizando as despesas básicas, especialmente àquelas relacionadas à saúde e à alimentação. Assim como diversos setores, os condomínios sentirão – se é que já não estão sentindo – sérios abalos em suas finanças, ainda que a taxa condominial seja uma despesa essencial, eis que dela depende o funcionamento regular do condomínio.

Diante desse contexto, é possível que se faça uso do fundo de reserva – sem a autorização pelos meios convencionais – para cobrir as despesas necessárias do condomínio nesse período de anormalidade?

A priori, deve-se levar em consideração que estamos diante de uma situação de força maior, impossível de se evitar ou de se impedir, nos termos do parágrafo único do art. 393 do CC/2002. A pandemia foi inesperada, portanto não há decisões definitivas sobre as situações causadas por esse evento, considerado pelo Direito como fato jurídico.

Sendo assim, as ações precisam ser orientadas pelos Princípios Gerais do Direito e pelo bom senso. Visto que provavelmente o valor arrecadado para o fundo de reserva deve ter sido definido na Convenção como aquele que será utilizado, com cautela, em caso de despesas imprevistas e emergenciais, se houver inadimplência incomum que prejudique o funcionamento e o pagamento de despesas básicas do condomínio, é razoável que se faça uso do fundo.

Note-se que em casos de obras ou de reparações necessárias, nem é preciso ser síndico para realizar a restauração, ou seja, qualquer condômino poderá fazê-lo, conforme dispõe o § 1º do art. 1.341, do CC/2002.

Contudo, uma vez que o síndico deve evitar a tomada de decisões unilaterais, tendo em vista que assume responsabilidade civil e penal pelos seus atos, se a situação for emergencial e não houver tempo de convocar uma assembleia geral extraordinária (ainda que por videoconferência), poderá consultar, ao menos, o Conselho Fiscal – que tem como uma de suas premissas a observância do tratamento dado ao fundo de reserva – ou, se não houver, o Conselho Consultivo a fim de que se decida da maneira que melhor beneficie o Condomínio.

Natália Lima de Menezes – OAB/PE 28.414

Kamila Moura de Lima – OAB/PE 32.380

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