Como síndicos lidam com a tensão digital para evitar conflitos no mundo real

Como síndicos lidam com a tensão digital para evitar conflitos no mundo real

Na tela do celular, um simples comunicado sobre o recolhimento de entulho virou o estopim de uma discussão acalorada que se arrastou por mais de duas horas. No grupo de WhatsApp do condomínio, os moradores não apenas divergiram sobre a medida, como aproveitaram a brecha para reacender antigas desavenças, sugerir a renúncia do síndico e até discutir política nacional.

Com a popularização dos aplicativos de mensagens como ferramenta de comunicação condominial, os síndicos passaram a enfrentar o desafio de gerenciar não só questões administrativas, mas também os conflitos emocionais e ideológicos que emergem desses espaços. “O WhatsApp é útil, mas precisa ter regras claras. Caso contrário, o que era para ser uma ferramenta de agilidade vira combustível para a discórdia”, alerta Renata síndica profissional.

A psicóloga Luciana Costa, que atua com treinamentos para administradoras condominiais, observa que a tensão dos grupos digitais costuma transbordar nas assembleias. “Muitas vezes, o que vemos em reuniões presenciais são ecos de conflitos não resolvidos ou mal interpretados no ambiente virtual. As palavras escritas não carregam tom de voz, nem expressão facial, o que favorece interpretações equivocadas e ataques indiretos.”

A solução, segundo a especialista, está na criação de uma política de uso dos grupos, preferencialmente aprovada em assembleia. A síndica profissional Renata Pires criou um regulamento digital com diretrizes objetivas. O grupo passou a ser restrito a comunicados oficiais, comentários são limitados a horários específicos e temas alheios à rotina do prédio, como política ou religião, são expressamente proibidos.

“Eu deixo claro que o grupo é uma ferramenta de gestão, não uma praça pública. E sempre que preciso responder algo mais sensível, faço isso em mensagem privada para evitar efeito “manada”. É preciso ter sangue frio. Se um morador está exaltado, ele quer “palco”. Quando não damos, a tensão esfria. Em alguns casos, marco um café informal para resolver fora do celular. O olho no olho ainda é o melhor caminho”, orienta a síndica.

Moradores também estão aprendendo, aos poucos, a conviver nesse ambiente. A fisioterapeuta Ana Lúcia Barros, que mora há 15 anos no mesmo edifício, conta que já saiu e voltou para o grupo três vezes. “Ficava cansada das brigas. Agora entendi que, se todo mundo respeitar o espaço, funciona. E quando tenho uma crítica, prefiro mandar direto para o síndico”, explica.

O desafio digital é inevitável, mas não insuperável. Com diálogo, regras claras e a consciência de que o grupo é uma extensão da convivência real, síndicos podem transformar o WhatsApp de vilão a aliado da boa gestão.